O cotidiano daqueles que vivem de maneira
diferenciada da sociedade têm sido algo cada vez mais abordado pela
historiografia atual, isso porque essas pessoas aparecem no meio social justamente
por serem condenados como anormais, marginais, se tornando objetos de um
discurso institucionalizado, que retrata esses seres como infames, mas, de
qualquer forma, faz com que eles não passem despercebidos diante da sociedade.
Nesse sentido, Maria da Conceição do Nascimento, Antônia Souza do Nascimento e
Helena Souza do Nascimento se encaixam perfeitamente nos parâmetros dos
“marginalizados”, tão trabalhados por Foucault. Assim, buscamos compreender a
maneira que estas mulheres viveram na infância, na adolescência e hoje, na vida
adulta, traçando um perfil desmistificador da imagem dessas mulheres por meio
de uma espécie de biografia problematizada, utilizando como principal fonte a
oralidade, por meio de entrevistas, seguida por fotos de acervos pessoais dos
entrevistados, para que seja possível compreender de que maneira a imagem das
“Três Marias da Barragem” é construída pelas vozes dadas à memória dos
entrevistados, ou seja, como a sociedade pauferrense encara a existência destas
mulheres permeando os lugares e não-lugares desde a infância delas até os dias
atuais. Então, a partir de hoje, convidamos vocês, queridos leitores, a acompanharem um pouco da trajetória dessas 3 mulheres que permeiam o cotidiano e o imaginário pauferrense.
A senhora Maria Margarida de Paiva Fernandes [1]
conta que estas três irmãs, juntamente com os irmãos José e Valdir, viveram
toda infância na zona rural da cidade de Encanto, no mesmo sítio onde nasceram,
porém, desde muito cedo apresentaram um comportamento diferenciado das crianças
que ali moravam, pois não costumavam sair de casa com freqüência, não brincavam
com outras crianças da redondeza, nem costumavam conversar com pessoas que não
fizessem parte do seu seio familiar.
Dona Margarida, que conheceu a família, conta que todos possuíam um
comportamento estranho – muito introspectivos, tímidos e não costumavam ter
laços de amizade muito arraigados com ninguém. Raimundo de Souza Nascimento, o
patriarca da família, trabalhava de aluguel, ou seja, vendia seus serviços
braçais aos fazendeiros da região, para dar sustento a sua família, enquanto
sua esposa, Celcina Nonato Costa, fazia trabalhos domésticos, tanto em casa,
quanto nas casas das vizinhas que solicitavam seus serviços, mas o trabalho
fora de casa não fez com que eles mudassem a maneira sempre quieta e silenciosa
de se comportar, algo que refletiu na criação e no comportamento de todos os
filhos, principalmente nas três irmãs, que desenvolveram um estilo de vida
bastante peculiar, ou seja, elas desenvolveram uma identidade social
diferenciada da maioria, conceito este trabalhado por Durval Muniz significando-o
como maneiras nas quais os indivíduos se percebem dentro da sociedade em que
vivem e a forma que percebem os outros que estão ao seu redor, ou seja, o modo
que as “Três Marias da Barragem” se inseriram, ou não, na sociedade em viveram
a infância, colocando-se sempre como o diferente e excluindo-se das atividades
cotidianas daquela população rural.
Exemplo disso é que ao receberem visitas em casa, mesmo de pessoas
conhecidas, as meninas corriam para dentro do quarto ou da cozinha, para se
esconderem das pessoas, para que ninguém as visse, como se apresentasse medo ou
vergonha, de algo ou de alguém, não importando se fosse homem ou mulher, mas no
caso de homens, o receio era ainda maior. Também por esse motivo, Maria da
Conceição (mais conhecida por Lilita), Antonia e Helena sempre andavam com um
pano cobrindo a cabeça, para que ninguém visse seus rostos ao andarem pela
vizinhança; elas gostavam de vestir vestidos bem longos e coloridos, feitos
pela mãe de retalhos de tecidos, e nem sempre usavam sandálias, andavam com os
pés descalços sem nenhum tipo de preocupação; sem conversar nem se aproximar de
alguém, mantinham-se observadoras e dialogavam entre si sobre os acontecimentos
do cotidiano, algo que muitos dizem ser fruto do pensamento tradicional e
amedrontado da mãe, que não gostava que as filhas tivessem contato com outras
pessoas que não fossem na família, por motivos até então desconhecidos.
Vanêssa Freitas
[1] FERNANDES, Maria Margarida de Paiva. Entrevista concedida a autora.
Encanto/RN, 17 de ago. de 2013.
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Legal a história dessa mulheres do Encanto, mas muito pau ferrenses, lembro-me muito delas andando pelas ruas de Pau dos Ferros, escondendo os seus rostos, lembro- me que um dia elas chegaram a minha casa e lhes deu algo e elas saíram muito contentes. Vale apena recorda um pouco de nossa história.
ResponderExcluirParabéns pela matéria. Eu sou filha de D.Margarida e conheci as Três Marias, tão bem relatadas aqui. Uma vez mamãe comprou uma hawaiana de correias azuis, p/ cada um(a). Qdo. elas(ele) saíam lá de casa, tiravam as sandálias, colocavam nas mãos e metiam o pé na carreira, no corredor q dava na casa do finado Chico Palheta.
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