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quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O ENTRETENIMENTO - Por Bráulio Tavares


O entretenimento é aquela parte da cultura (“cultura” entendida aqui como “qualquer sinal da presença humana no planeta”) que nada questiona, nada exige: só quer dar prazer.  É uma atividade legítima, mas pode se tornar tão viciante quanto esses tiragostos químicos tipo Cheetos, Pringle, Ruffles, etc.: coquetéis de estimulantes do paladar, concebidos para gerar um consumo compulsivo.

Qualquer entretenimento é cultura, e qualquer atividade cultural pode servir de entretenimento. A música, p. ex., vem servindo como entretenimento “gratuito” através de shows em praça pública, mediante cachês astronômicos.  Se uma prefeitura paga 300 mil reais por um show não vai ter verba para apoiar folguedos populares, realizar festivais de curta-metragem (o “cinema que não dá lucro”), patrocinar mostras de teatro, realizar concursos literários, etc. O tal entretenimento vira um câncer da cultura, crescendo descontroladamente e ameaçando o resto. Ele se expande porque essa é a natureza de qualquer indústria de grande retorno financeiro. No caso dos governos, o retorno é eleitoral: divirta o povo e ganhe o seu voto; faça o povo pensar e você tem um problema em mãos. Sempre foi assim.

Não sou contra o entretenimento. Ele é a beirinha de cultura que resta aos exaustos, aos esgotados, aos embrutecidos por um dia inteiro de trabalho estafante e sem sentido, sem falar nas horas intermináveis de ida e volta nos trens desconfortáveis e nos ônibus repletos. Se eu passasse o dia assim, quando chegasse em casa de noite não ia querer ler um romance difícil. Ia desabar na frente da TV, que ainda é a forma mais simples de coma induzido.

O entretenimento, porém, se esgota em si mesmo, não deixa nada além do alívio momentâneo que produz. Passado o alívio, retornam os problemas de sempre, e continuamos sem saber como encará-los. Existe, porém, uma cultura que encara esses problemas. Para ser apreciada, ela requer a mobilização plena do nosso espírito, da nossa inteligência, da nossa empatia, da nossa emoção, da nossa capacidade de levar a vida a sério e questionar as coisas. 

Não sou contra a festa, mas a vida não é só festa. (A não ser que você seja filho de um milionário mão-aberta.) A festa ajuda a viver, para quem tem uma vida sofrida: perguntem a quem faz maracatu ou coco na Zona da Mata. Mas esse entretenimento pode se adensar em um tipo de cultura que nos envolve de todas as formas, nos estimula e nos desperta aquela inquietação boa de quando a gente começa a intuir respostas para as perguntas importantes da vida. O entretenimento ajuda o tempo a passar mais depressa; a cultura garante que ele não passe em vão.

Por Bráulio Tavares

Link oficial: http://mundofantasmo.blogspot.com.br/2014/02/3425-o-entretenimento-1822014.html

DÚVIDAS.....

 A sabedoria popular tem sempre um fundo de verdade, mas algumas coisas, mesmo pesquisando não consigo entender até hoje.Vale salientar que astúcia de mãe  não tem limites e certos procedimentos das mesmas só elas podem entender....chego lá.
  No meu tempo de criança, qualquer sintoma de febre ou outra doencinha corriqueira tomávamos Guaraná(refrigerante) com biscoito cream cracker....pelas dificuldades da época, fingíamos mais que adoecíamos para tomar o precioso líquido que não era tão comum quanto hoje.
 Outro mito que minha mãe imprimiu no meu cérebro é que se dormíssemos nus da cintura pra cima, o Demônio poderia se apossar de nós....quer dizer que a parte mais perigosa (da cintura pra baixo) poderia ficar desnuda??
 Pra finalizar, algo que me deixava em pânico era a historinha de trancoso que dizia que, quem falava dormindo(meu caso) e se alguém chegasse e colocasse uma tesoura aberta, poderia perguntar e descobrir o que quisesse.....ai como eu sofri e escondi tesouras...rsrsrsrsrssr...... vá falar isso para as crianças de hoje que será capaz de receber uma vaia. Até breve!!
                      Vianney

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

*Homenagem Virginia Lane 1920 A 2014.*


Nasceu no bairro do Estácio, zona norte do Rio de Janeiro. Em 1935, começou sua carreira como cantora no programa Garota Bibelô, na rádio Mayrink Veiga, de César Ladeira. Sua estreia no elenco do Cassino da Urca se deu em 1943, quando atuou como cantora e dançarina à frente das orquestras de Carlos Machado, Tommy Dorsey e Benny Goodman.

Seu primeiro disco pela Continental foi lançado, em 1946, com a marcha Maria Rosa, de Oscar Bellandi e Dias da Cruz, e o samba Amei Demais, de Cyro de Souza e J.M. da Silva. Já em 1948, sob a direção de Chianca de Garcia, apareceu como vedete na revista Um Milhão de Mulheres, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Tornou-se então a vedete mais famosa da Praça Tiradentes. Por 4 anos seguidos emplacou diversas revistas em parceria com o produtor Walter Pinto. Durante a temporada de Seu Gegê Virgínia Lane recebeu o título de “A Vedete do Brasil”, dado pelo Presidente Getúlio Vargas.

No auge da febre do Teatro de Revista levou para a televisão o formato do teatro de variedades com o programa Espetáculos Tonelux, na TV Tupi carioca, dirigida por Mário Provenzano.

Virgínia fez sucesso também no cinema, em diversos filmes na Cinédia e na Atlântida, como Laranja da China (1940), de Ruy Costa, e Carnaval no Fogo (1949), de Watson Macedo. Participou de várias comédias carnavalescas cantando seus sucessos e contracenando com Oscarito, Grande Otelo e Zé Trindade.

Em 2005/2006 fez parte do elenco na novela Belíssima, da TV Globo, ao lado de outras ex-vedetes, como Carmem Verônica, Íris Bruzzi, Ester Tarcitano, Lady Hilda, Teresa Costello, Dorinha Duval, Anilza Leoni, Rosinda Rosa, Lia Mara, entre outras.

Virgínia Lane participou de 37 filmes, e chegou a montar sua própria companhia para levar o teatro de revista a diversas regiões do Brasil.

Segundo contou em algumas entrevistas, Virgínia teve um relacionamento amoroso durante 10 anos com o ex-presidente Getúlio Vargas2 . Chegou a dizer que "a barriguinha dele atrapalhava, mas que tudo se resolvia na horizontal".3

Morreu na tarde de 10 de fevereiro de 2014 de falência múltipla dos órgãos no CTI do Hospital São Camilo, onde estava desde 6 de fevereiro, após a piora no quadro de infecção urinária, causa da internação em 2 de fevereiro.4

Foi casada duas vezes, a primeira em 1952 com Sérgio Kröeff e a segunda em 1970. Deixou uma única filha, do segundo casamento, Marta Santana.

A ex-vedete recebeu a última homenagem em vida no dia 25 de janeiro deste ano, quando foi eleita a Imperatriz do Amazônia, em Belém, no Pará.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/morre-aos-93-anos-ex-vedete-virginia-lane-11564757#ixzz2tWbWs4kd 
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Trabalhos no Cinema:

1935 Alô, Alô, Brasil - Vedete
1936 Alô, Alô, Carnaval - Vedete
1939 Banana-da-Terra
1939 Está Tudo Aí
1940 Céu azul
1940 Laranja-da-China
1941 Entra na Farra
1943 Samba em Berlim
1949 Carnaval no Fogo - Dalva
1951 Anjo do Lodo - Lúcia (Primeiro nú em um filme nacional) 5
1952 É Fogo na Roupa
1952 Está com Tudo
1952 Tudo Azul
1955 Carnaval em Marte
1956 Guerra ao Samba - Tetê
1956 Tira a mão daí!
1958 Vou Te Contá
1959 Mulheres à Vista - Gil
1959 Quem Roubou Meu Samba? - Sônia
1960 O Viúvo Alegre - Marah
1960 Vai que É Mole
1962 Bom Mesmo É Carnaval
1975 Os Pastores da Noite
1977 A Árvore dos Sexos
1998 Vox Populi

Trabalhos na televisão:

2007 Sete Pecados - ex-vedete (amiga de Corina)

Fonte de Informação: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2014/02/1411366-vestida-de-vedete-virginia-lane-e-velada-no-rio.shtml

Morre, aos 93 anos, a ex-vedete Virgínia Lane.
http://oglobo.globo.com/cultura/morre-aos-93-anos-ex-vedete-virginia-lane-11564757
Entrevista com Virgínia Lane
Memória do Teatro Musical do Rio de Janeiro - Virgínia Lane

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

FOTOLEGENDAS

 Sentados:
     Meus avós paternos José Fernandes, Raimundo Fernandes, no colo Flávio Fernandes.
Em pé no sentido relógio: 
           Fausto Fernandes  (meu pai) Adélia Guedes (minha mãe) Vianney (ao meio) Patrícia (in memorian) na ponta.

 
Israel Vianney e Elizabete Fernandes (primos)



Senhora Luzia Freire mãe do Cônego Caminha em foto de 1930 (Acervo do autor)



Antigo Casarão da viúva de Franskim Siqueira, edificação da década de 1930 - Destruído recentimente pela especulação imobiliária.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

PAU DOS FERROS DO MEU TEMPO!

Por Licurgo Nunes Quarto

Revendo a minha Pau dos Ferros, nesses dias, bateu um sentimento saudosista ao ver uma cidade transformada, modernizada, com um comércio muito bom, com lojas as mais variadas e com layout bem projetados; com excelentes restaurantes, pizzarias, sushis, drinks-bar, lojas de conveniência, áreas públicas de lazer, edifícios, condomínios residenciais fechados, ruas asfaltadas, bons hotéis, etc.
Pau dos Ferros onde eu vivi era a Pau dos Ferros da Praça da Matriz, onde nasci e morei até aos 12 anos. Rua de chão batido, sem qualquer pavimentação, onde a criançada se divertia, em dia de chuva, fazendo açudes e barragens. Era essa a Pau dos Ferros que deixei quando fui estudar, em regime de internato, no Colégio Diocesano Santa Luzia de Mossoró, uma vez que, à época, a nossa Cidade não oferecia, ainda, o curso ginasial, e, no ano seguinte, 1962, vim morar em Natal, acompanhando os meus pais que passaram a residir nessa Cidade.
Pau dos Ferros que eu vivenciei era a Pau dos Ferros das bodegas de José Lopes, Danaciano Cavalcante, Cícero Almino. Das lojas de tecido de Elpídio Chaves e Afonso Silva; da sapataria de Antonio Alexandre; dos restaurantes de Bafute e de Cosma de João Borges; dos armazéns de Walter Correia ( único a vender, na época de São João, os famosos fogos caramuru), e de Luiz Gonzaga que comercializava alguns produtos mais refinados, como azeitonas, passas e biscoitos sortidos adquiridos na Cidade paraibana de Campina Grande.
Pau dos Ferros que eu habitei era a Pau dos Ferros das pensões de José Simão, João Borges e Alexandre Aquino;
Era a Pau dos Ferros de Formiga Preta, Faísca, Chico chauffeur, (que mesmo sóbrio parecia ébrio), Anatilde ("pei pou, mulher do Judas, mulher do Padre"), Zé Alinhado (fazendo medo à meninada, declamando rimas “sem nexos nem plexos”, e cantando: "em tuuudo, na prôa, Dr. Licurgo é gente boa"), Chico Doido (no seu incansável balançar – agitar – de braços, estalando os dedos indicadores aos polegares), Bafute, Alberto Torreão, Regina Jerônimo, Lilia, Santa, Diazete, Mainha, Alda, Odete e Noburga. Cora, Pipiu Diógenes, José Guedes do Rego, Cazuzinha de Tia Mina, João Escolástico Bezerra, Chico Rego, Rozendo de Chico de Antístenes, Antenor do Sax, Manoel Tele, Manoel Rosa, Pedro Garrote, Zé do Calhambeque.
Pau dos Ferros de casa cheia em dia de eleição, com Dona Cristina - a minha mãe - alimentando centenas de eleitores, e tendo que subir à carroceria de um caminhão para mostrar a alguma correligionária como era fácil chegar àquele objetivo, dada à resistência de uma ou outra em voltar para o sítio naquele meio de transporte;
Pau dos Ferros de antigamente era a Pau dos Ferros do zoológico da casa do Padre Caminha que, quando ainda não se falava nem se apregoava o respeito à ecologia, bem como o bom trato aos animais, o referido Vigário, pioneiramente, já o fazia, amparando animais e pássaros, domésticos ou silvestres, mutilados ou abandonados, passava a criá-los em seu quintal, quando chegou a formar um mini-zoológico – atração da meninada da Cidade.
A Pau dos Ferros da tradicional "bateria de fogos de artifícios" do dia 08 de dezembro - dia da Excelsa Padroeira Nossa Senhora da Conceição - com Olavo Diógenes e mais alguns outros que, a título de pagar promessa à bendita Santa, acompanhavam o desenvolver - o espocar - da citada bateria, lado a lado, bem de perto e correndo o risco de sofrerem acidentes por queimaduras. Era um espetáculo com um misto de pirotecnia, poluição ambiental produzida pela fumaça resultante da queima dos explosivos, e poluição sonora, pois as bombas que equipavam referida bateria emitiam sons em grandes decibéis.
Pau dos Ferros do Padre Caminha ligando o serviço de som da Igreja - “A Voz do Campanário” - (que consistia de duas “bocas” de som - alto falantes - bem potentes, postados no topo da torre da Igreja Matriz), a qualquer hora do dia ou da noite, madrugada que fosse, para anunciar, à cidade e ao seu povo, a morte de algum concidadão, quando, invariavelmente colocava para tocar a “Marcha Fúnebre” de Chopin – a mais fúnebre de todas as músicas fúnebres existentes. Era um momento lúgubre que ficou guardado na memória de todos os pauferrenses que conviveram àquela época. E isto sem se falar no pavor e na apreensão (expectativa para se saber quem havia morrido) que se instalavam, em todos, quando começavam a ouvir os primeiros acordes da referida música.
Pau dos Ferros dos primeiros “Jepps Willys de Praça” – o que hoje se convencionou chamar de “taxi” - de Daniel, Luizão, Pedro Damião;
Pau dos Ferros do Clube Centenário CCP – com seus famosos bailes e onde, em todas as festas - e era quase sempre sistemático - a orquestra ter que parar de tocar as músicas do repertório previamente elaborado e ensaiado para executar um xote (dança de salão, de origem alemã com passos semelhantes aos da polca, difundida na Europa e no Brasil, onde é executada nos bailes ao som de sanfona) para que Antonio Holanda dançasse a referida música, com todos os seus passos, evoluções e coreografias, e que geralmente tinha como cavalheira a sua nora Zuleide Lopes de Holanda que, com ele, davam um verdadeiro show de dança.
Pau dos Ferros do Grupo Escolar Joaquim Correia, famoso e tradicional, de secular existência, e por onde passaram varias gerações de conterrâneos que se destacam no cenário nacional, e onde pontuaram as Professoras Alzira Diógenes (minha avó), Nila Rego, Juliana, Nair Sales, Maria Ayres, Maria do Carmo e tantas outras;
Pau dos Ferros do “misto” de Tôzinho, fazendo a “linha” diária para Mossoró e vice-versa, numa BR 405 ainda pavimentada com barro, e que, para transpor um percurso de pouco menos de 180 km, demorava-se mais de seis horas; e do ônibus de Adácio Amorim transportando os conterrâneos a Natal;
Pau dos Ferros dos Doutores José Fernandes de Melo e Cleodon Carlos de Andrade, onde ambos, pioneiramente, numa mistura de ciência, arte, dedicação e sacerdócio, faziam uma medicina básica, exercendo a nobre missão de curar os conterrâneos enfermos; do Dr. Pedro Diógenes Fernandes, primeiro filho da terra com diploma de nível superior em Odontologia, e do Enfermeiro Caetano que, na falta de um hospital ou mesmo um centro de saúde, fazia, em seu pequeno e espartano ambulatório, um atendimento emergencial preliminar.
Pau dos Ferros do Capitão Epitácio Maciel, Oficial comandante local da policia militar, que, de tão manso e ordeiro, era querido por todos, além de produtor de leite em uma vacaria que mantinha no quintal de sua casa.
Pau dos Ferros do “Cine São João”, de propriedade do empresário/construtor José Florêncio, onde a sessão cinematográfica só se iniciava quando chegassem, para assisti-la, alguns freqüentadores contumazes, como Paulo Marcelino,Manoel Tele e outros;
Pau dos Ferros do Fotógrafo Fausto Fernandes que, mesmo sem os recursos hodiernos do photoshop, mas com um Studio fotográfico bem aparelhado e moderno - para a época - tornava as pessoas e as imagens com melhores aparências, e que foi responsável por deixar preservado, para a posteridade, imagens de acontecimentos históricos e sociais importantes;
Pau dos Ferros do “açude 25 de março”, que, sozinho, dava conta da tarefa de suprir a cidade de uma água de excelente qualidade, bem como tornava férteis as terras - tanto a montante como à jusante de sua parede – com condições de produzir hortaliças e frutas, e que se prestava como área de lazer da população, principalmente quando estava sangrando, uma vez que a população toda acorria para presenciar o espetáculo. As carroças, de tração animal e equipadas com pipas ou tambores, bem como os jumentos com as suas ancoretas encarregavam-se de abastecer as casas com a água colhida no citado açude. E o Rubens, morador da Fazenda Melancia, do meu avô Lafayete Diógenes Maia, era o responsável pelo abastecimento das casas da nossa família.
Pau dos Ferros das farmácias pioneiras (ainda escritas ainda com um PH) de Zequinha e Manoel Deodato. Ambos os estabelecimentos serviam, também, como pontos de encontros das pessoas influentes da cidade, onde se discutiam fatos e acontecimentos político-sociais da cidade, da região, do Estado e do mundo.
Pau dos Ferros do posto de gasolina de Antonio Izídio, com as bombas movidas a manivelas, e cujo produto, adquirido em Fortaleza, era transportado, por caminhão e acondicionado em tambores cilíndricos de mil litros.
Pau dos Ferros do “Pavilhão da Praça da Matriz”, que proporcionou tantos encontros – e desencontros – de casais enamorados, e por onde as moçoilas sonhadoras desfilavam à procura do seu príncipe encantado;
Pau dos Ferros de Maria das Graças Queiroz, a moça mais bonita e rica da cidade, dirigindo, ainda adolescente, o seu Jeep Willys, novinho, dado por seu pai o Construtor José Florêncio de Queiroz, quando do seu aniversário de quinze anos, e se tornando a primeira mulher a conduzir um automóvel na cidade, causando, consequentemente, grande admiração e espanto.
Pau dos Ferros do Obelisco, monumento comemorativo do centenário do Município e do bicentenário da Paróquia;
Pau dos Ferros do primeiro campo de aviação – aeroporto - da região do alto oeste que, quando o pousar de um avião, mesmo que de pequeno porte – como eram todos que ali aterrissavam - causava grande alvoroço na cidade, e para aonde acorriam todos para apreciar a aeronave;
Pau dos Ferros iluminada por um motor/gerador movido a óleo diesel que, com hora marcada para apagar, avisava aos habitantes – por meio de rápidos cortes de energia, a que se convencionava chamar de sinal – de que estava chegando a hora do blecaute. Dez minutos após o terceiro sinal era desligado o citado gerador, e a cidade passava a ficar no escuro.
Pau dos Ferros dos pirulitos feitos por Cosma de João Borges;
Pau dos Ferros das padarias de Pedro Garrote, Tinô e Dedeca que fabricavam um “pão d’água” e um pão doce de sabores inigualáveis;
Pau dos Ferros de tantos outros pontos, fatos pitorescos e figuras folclóricas; algumas prosaicas, mas todas figuras humanas e gente de bem que habitam a minha mente, com lembranças de uma cidade que, à época, ainda pequena, era sinônimo de irmandade, de família, de fraternidade, de honestidade; sem violência.
Não foi essa a Pau dos Ferros que eu revi. Revi, sim, uma Cidade moderna, desenvolvida, e que enche os olhos de quem a visita.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

MASSILON PARTE III

       

   A estrada enchia-se novamente aos domingos, por causa da missa, uma espécie de prolongamento da festa que era a feira, tal o seu significado para aquelas populações.
     Acordávamos cedo, antes que a nascente e bronzeada manhã se enchesse de sol. Começava Madrinha a lida diária: levar comida e água para as galinhas do chiqueiro, coar o café, preparar o almoço, ir à vazante. Eu ia ao açougue (chamavam de tarimba) receber a carne que tio glicério nos dava e à mercearia de tio Evaldo apanhar o pão para o nosso café. Ele me dava um pão doce, eu o comia aos pouquinhos, com avareza, para fazê-lo render, deixando para o fim o lombo, a parte do açúcar.
         Galinhas entravam em casa. Eu as enxotava. Tacava-lhes o chiqueirador sem piedade. As bichas corriam, metiam-se debaixo da mesa, voavam assustadas, cacarejando escandalosamente, soltando penas, sujando a casa.
        Dava-se sumo de mastruz às galinhas para emendar perna quebrada. Procurava-se ninho de galinha e guiné nas moitas do cercado, deixando-se sempre o indez. Dizia minha avó que as cobras e os tiús comiam os ovos dos ninhos e que tiú tinha carne saborosa, com gosto de galinha. No depósito de teto baixo chocavam-se as galinhas e lá eram guardados os pintos e os borregos recém-nascidos, por causa dos gaviões. 
         Eu brincava sozinho com meus bois de osso. Possuía muito gado, e todo bem limpinho, branco como algodão. Punha-o nos currais de gravetos do terreiro da frente da casa, do oitão e debaixo de árvores  no quintal. Os ossinhos eram minhas riquezas, meu único brinquedo, meu mundo e encheram de encantamento aqueles tempos de menino solitário.
         Nas horas de calor mais intenso sobrevinham momentos de silêncio e calmaria. Não se viam transeuntes na estrada, não ondulava a água azul do açude, que parecia derramar-se no infinito, às  folhas não se moviam e o céu ficava limpo como terreiro varrido. Da terra seca, batida de rijo pelo sol abrasador, levantava-se mormaço sufocante, aumentando a soalheira. O vento parava. Tudo parava. 
        Era a hora da sesta. Metia-se minha avó em seu quarto. Avelino e Laura cochilavam em seus cantos. Eu me sentava à janela ou no batente da porta. De vez em quando a cantilena de saudade do fogo-pagou quebrava o silêncio. do fundo das moitas, onde se espojavam, vinham o cacarejo das galinhas e o tô-fraco dos guinés.
     À tardinha, passado entorpecimento, a vida ressurgia. A sombra da casa projetava-se no terreiro com o desenho do beiral do telhado. Eu trazia "meu gado" para a frente da casa e entrava no meu mundo imaginário.
    Os homens banhavam-se no açude, nus ou de cueca e assustavam os meninos, dizendo-lhes que os peixes iam arrancar-lhes a piroca.
       Estive uma vez (não me lembro quem me levou) no local reservado ao banho das mulheres e guardo a vívida lembrança de que algumas banhavam-se em pelo. Uma delas passou passou minha mão no seu púbis, alisando-o e perguntou se eu achava bonito, se já tinha visto aquilo...
       A mercearia enchia-se nos dias de feira. Alguns fregueses deixavam as montarias sujando a rua e ficavam a conversar, sem nenhuma pressa. Encostavam-se no balcão, sentavam-se em tamboretes, em sacos de cereais e tomavam bicadas de cachaça. Fumavam, mascavam fumo de corda e largavam pretas cusparadas no chão. 


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

MASSILON PARTE II


          Galinhas eram postas a engordar num chiqueiro de varas à sombra de árvores, atrás da casa. Não se abatiam galinhas do terreiro. Eram sujas, comiam porcarias, imundícies. Precisavam ficar limpando o chiqueiro. Os guinés não careciam ser confinados, não bicavam sujeiras. Eram ariscos, espantados, dificeis de ser apanhados. Para atraí-los jogava milho no chão, esperava-se que viesse comer e então dava-se o bote, pegando-se os maiores, os machos.
       Madrinha sabia as horas segundo a posição das réstias do sol que penetravam a sala. Almoço e jantar eram servidos por volta das 10 da manhã e 4 da tarde. Ao cair da noite, tio Evaldo chegava para ceia, que variava entre coalhada, jerimum, batata doce e cuscuz com leite que eu comia numa tigelinha de ágata branca. Logo após a ceia íamos dormir. A luz mortiça da lamparina, posta num recanto da sala, dava às nossas noites lugubridade de velório.
    Havia feira aos sábados. Acordava-se mais cedo. A agitação da feira era um hiato naquele viver sem pressa. Vinha gente das fazendas e cidades próximas. Goma boa era de São Miguel e Portalegre. Dos engenhos vinha rapadura nova, clara e cheirosa. As galinhas vivas eram levadas à feira penduradas pelos pés nas extremidas de varas.
        Homens e mulheres a cavalo, a pé, às vezes tangendo animais de carga, enchiam a estrada rumo ao mercado público. Vendia-se farinha em cuis, um recipiente quadrado, de madeira, com capacidade para cinco litros. Antes da compra, o freguês atirava um punhado na boca, para experimentá - la.
        Tio Evaldo tinha mercearia no mercado. O fumo de corda era medido com uma tábua fina e estreita, como régua. O fumo ficava enrolado em cima do balcão, e o matuto só se decidia pela compra depois de cheirá-lo primeiro.
          Madrinha morava ali há muitos anos. Vinha, às vezes, à porta da frente olhar o movimento na estrada. Feirantes saudavam-na, alguns vinham tomar água, café ou tirar uma prosa ligeira.
          A boleira Isaura (Dadá) visitava minha avó todos os sábados. Dava-me pâes-de-ló e sequilhos. Punha o tabuleiro na cabeça, pendurava cestos nas mãos e ia para o mercado, puxando a perna aleijada, vendeer as guloseimas, de que vivia. O tabuleiro balançava com o andar manco, mas não caia, num milagre de equilíbrio. Amanhã continuaremos...

                                              

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Pau dos Ferros por volta do final da década de vinte do século passado


Trecho do livro MASSILON do advogado Honório Medeiros- Depoimento de Arnaldo Fernandes de Souza.
 "Madrinha morava ás margens do grande açude público (atual Barragem 25 de Março), no trecho conhecido por Riacho do Meio, a uns dois quilômetros do centro da cidade, numa casa caiada, de piso de tijolo e chão batido, uma porta e uma janela na frente. Embora ampla, a casa não tinha banheiro nem sanitário. Madrinha e Avelino usavam a sentina e o banheiro atrás da casa. Laura utilizava penico e banhava-se numa bacia em seu quarto, como criança. Eu entrava nas moitas, cujas folhas substituíam o papel higiênico e tomava banho no açude, nas sangas e cacimbas da vazante."


   "O quarto de tio Evaldo comunicava com comprido depósito de teto baixo, ocupado com cereais, cangalhas, caçuás, selas, arreios e utensílios agrícolas.
  "Pretas panelas de barro, assentados sobre trempes de pedras, cozinhavam a comida. Gravetos e maravalhas alimentavam o fogo. A picumã tinha enegrecido o teto e as paredes da cozinha, onde uma mesa velha servia de deposito a pratos, panelas alguidares. Num ângulo da cozinha ficava o pilão de café, torrando num preto caco de barro."
     "Os moveis da sala compunham-se da mesa de refeições, encostada a um canto. Cadeiras de couro cru e um comprido banco de madeira no qual tio Avelino passava horas sentado a fungar, a falar sozinho e fumar cachimbo. O sarro e  fumaça do fumo de corda impregnavam a casa de nauseante odor."
     "Com molhos de vassourinha trazida da vazante varriam-se os terreiros. O da frente da casa prolongava-se num extenso pátio, cuja continuação era já a estrada rumo ao centro da cidade."
     "As três principais ruas de Pau dos Ferros eram chamados de Rua de Cima, Rua do Meio e Rua de Baixo. A rua do meretrício, como soube depois, era conhecido como Rabo da Gata."
     "O açude ficava num dos lados da casa, de onde se podia ver uma nesga. E entre ele e a casa passava uma estrada. O açude abastecia a cidade e nele lavava-se roupa. Era intenso o vaivém de pessoas transportando água em latas, cabaças e pequenos potes equilibrados na cabeça, sobre rodilhas. Utilizavam também ancoretas postas no lombo de jumento e pipas de madeira instalados em carroças puxadas por bois e burros. À tarde rebanhos de gado eram trazidos aos bebedouros. Lavadeiras passavam com bojudas trouxas na cabeça." ... Continuaremos amanha

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

CEMITÉRIOS DE BARCOS NA COSTA POTIGUAR

Yet he held his hould
Ao longo da história de duas belas praias do litoral potiguar, ocorreram vários relatos de afundamentos até hoje praticamente desconhecidos
Autor – Rostand Medeiros
Na história do Rio Grande do Norte sempre foi muito pouco relevante os fatos ligados às questões náuticas e a série de problemas que aqui existiam para quem navegava.
Era um período de navegações heroicas e arriscadas, onde os homens se aventuravam por costas ainda não totalmente mapeadas, ou passando por áreas sem os faróis para o auxílio à navegação. Coisas como as atuais maravilhas tecnológicas de navegabilidade sequer povoavam as mentes dos novelistas mais criativos. Conduzir um barco a vela, através dos oceanos era então uma tarefa que exigia muita atenção e a experiência de navegação dos seus comandantes era fundamental para uma boa viagem.
É bem verdade que já se utilizava bússolas, mapas de navegação conhecidos, sextantes, cronômetros marítimos e outras ferramentas que ajudavam na navegação. Mas nada era totalmente seguro.
A Complicada Costa Potiguar
Localizado no “cotovelo” da América do Sul, a posição geográfica do Rio Grande do Norte sempre se caracterizou para a navegação pela existência de ventos fortes em certas épocas do ano, correntes marítimas complicadas e algumas perigosas áreas com recifes de corais.
Antigos instrumentos de navegação - maxinecooper.wordpress.com
Antigos instrumentos de navegação – maxinecooper.wordpress.com
Apesar dos perigos isso não impediu que portugueses, espanhóis, franceses, holandeses e marujos de outras nacionalidades navegassem no nosso litoral e muitos naufrágios marcam a nossa história.
O interessante site Naufrágios do Brasil (http://www.naufragiosdobrasil.com.br) possui uma página específica para os afundamentos em águas potiguares. A relação traz os nomes de mais de 100 barcos e alguns aviões que repousam no fundo do mar. O mais antigo registro existente neste site é de um barco, provavelmente uma caravela portuguesa, com o nome “São João e Almas”, que se perdeu na região do Cabo de São Roque no longínquo ano de 1677.
Ao longo dos séculos seguintes não era tão raro a notícia de algum afundamento em águas costeiras do Rio Grande do Norte, especialmente nas regiões onde se encontram recifes de corais, principalmente na área das conhecidas praias de Maracajaú e Rio do Fogo.
Área de recifes de corais, ou parrachos de Maracajaú e Rio do Fogo, costa do Rio Grande do Norte
Área de recifes de corais, ou parrachos de Maracajaú e Rio do Fogo, costa do Rio Grande do Norte
Atualmente estas praias são locais de destinação turística e de veraneio, possuindo ambos os locais tradicionais comunidades de pescadores. Mas a maioria dos naufrágios ali ocorridos é desconhecida e envoltos em histórias onde o destino da carga era mais importante que a vida dos tripulantes.
Uma Região Perigosa Para um Velho Brigue Inglês
Há quase 174 anos o velho brigue inglês Orion, de 198 toneladas, bateu e afundou nos recifes de coral diante da praia potiguar de Rio do Fogo, onde nesta época já existia uma povoação de pescadores.
Construído em 1804, no estaleiro pertencente a John Holt Jr. e John Richardson, em Whitby, o terceiro maior centro de construção naval da Inglaterra, depois de Londres e Newcastle, o Orion serviu a Royal Navy (Marinha Real Britânica) como barco de transportes nos combates contra as forças de Napoleão. Este brigue, um barco que possuía normalmente dois mastros maiores, uma tripulação variável de oito a quinze homens, uma média de 40 a 90 metros de comprimento e uma tonelagem que variava de 160 a 1.150, foi depois vendido para uma empresa de transportes marítimos de Londres e já se encontrava a 36 anos navegando pelos sete mares quando encontrou seu fim no dia 30 de março de 1840, uma segunda feira.
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Na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, encontramos nas páginas amareladas do velho jornal Publicador Natalense, edição de sábado, 2 de maio de 1840, as notícias do Expediente do Governo provincial potiguar, cuja a presidência era exercida por Manoel de Assis Mascarenhas. Nesta páginas, uma espécie de Diário Oficial da época, consta que o juiz de paz de Touros, na época um município emancipado desde 1833, trazia notícias sobre o acidente do Orion, dando conta que o mesmo vinha carregado de café do sul do Brasil.
Encontramos a informação que havia sido negado ao juiz de paz de Touros, cujo nome não foi divulgado, o seu pedido para que os jangadeiros de Rio do Fogo ficassem de posse da metade dos objetos e da carga do brigue acidentado. O pedido do juiz ia de encontro ao Artigo 18 do Tratado firmado entre os reinos do Brasil e da Inglaterra, sobre o destino das cargas de naves naufragadas.
O Presidente da Província Manoel de Assis Mascarenhas, que deixaria o cargo em julho de 1841, exigia que o juiz de Paz de Touros, que possuía jurisdição sobre Rio do Fogo, arrecadasse com os jangadeiros da localidade tudo que eles haviam salvado do Orion. Entretanto no mesmo despacho percebemos que o Presidente não parecia confiar no juiz de paz e nem estava brincando em relação a suas ordens, pois ordenava ao “Inspetor interino da Thesouraria da Fazenda” que enviasse um oficial e guardas da Alfandega para arrecadarem e inventariarem os objetos salvos. Para que a ordem ficasse mais bem transmitida, no mesmo despacho o Presidente abonava o soldo de cinco guardas do Corpo de Polícia para seguirem a Touros para participarem desta missão.
Típico brigue inglês
Típico brigue inglês
Neste caso do Orion não sabemos nada do que causou a destruição do brigue, o que houve com a tripulação e nem se os jangadeiros de Rio do Fogo, ao salvarem os objetos e a carga do barco sinistrado agiram na ânsia de conseguirem vender o que arrecadaram a revelia da tripulação e das autoridades, ou se eles foram incitados a salvarem este material pela tripulação inglesa, com a promessa de ficarem com a metade do que conseguiram tirar das águas e depois tiveram a sua parte no acordo retirado a força pelas autoridades comandadas pelo Presidente Manoel de Assis Mascarenhas.
A Barca Norte Americana Destruída em Maracajaú
Onze anos após o desastre do brigue Orion, uma barca, ou “bark” em inglês, uma nave com três ou mais mastros, com um comprimento que poderia variar de 35 a 60 metros, foi totalmente destruída nos belos recifes de coral de Maracajaú. Estes recifes de corais são conhecidos na região como parrachos.
A edição existente na internet do tradicional jornal The New York Times, de 30 de outubro de 1851, da conta que os seus jornalistas haviam recebido a notícia que a barca Ruth, que seguia do porto norte-americano de Baltimore para o Rio de Janeiro, havia se perdido em “Patagonia”, próximo “ao Cabo de São Roque”, mas a tripulação se encontrava a salvo. Parece que as informações geográficas dos jornais americanos desta época eram bem complicadas.
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No periódico O Argus Natalense, existente na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, na sua edição de sábado, 11 de outubro de 1851, que encontramos uma notícia mais abalizada sobre o acidente daRuth, com o destino da sua carga envolta em um rumoroso inquérito judicial.
Consta que a Ruth vinha dos Estados Unidos com 2.600 “barricas” contendo farinha de trigo, tendo se chocado com os parrachos de Maracajaú nos primeiros dias do mês de setembro de 1851. Este era um barco novo, tinha 337 toneladas e havia sido lançado ao mar em Baltimore no dia 27 de julho de 1847, sendo um dos 80 barcos construídos nos estaleiros daquele porto durante aquele ano.
Já no dia 15 daquele mês o “Inspector” da Alfandega da Cidade do Natal Manoel Pedro Alvares, informava que Antônio Francisco Nobre Câmara, o subdelegado de Maracajaú, havia firmado com John Llufrio, o capitão da barca, um norte americano de 43 anos de idade e natural de Rhode Island, um acordo onde os jangadeiros de Maracajaú e proximidades receberiam 50% da carga salva. Mas o inspetor Pedro Alvares acusava que o subdelegado Nobre Câmara participava e dava apoio ao extravio de mercadorias da barca naufragada, sem o conhecimento do capitão Llufrio.
Porto de Baltimore, quadro de Fitz Hugh Lane
Porto de Baltimore, quadro de Fitz Hugh Lane
Como a farinha de trigo é um produto que se transforma no contato com a água, tudo indica que a Ruth bateu nos parrachos e ficou com parte do casco fora da linha d’água, deixando muito de sua carga intacta. O inspetor Pedro Alvares informou, entre outras coisas, que todos os dias “de 100 a 200 barricas” desembarcavam na praia de Maracajaú, que os sete soldados do Corpo de Polícia de Maracajaú participavam do “roubo” e revendiam as barricas de farinha de trigo. Outra acusação dava conta que uma barcaça (nome e origem não mencionados) havia seguido para “portos do norte” com 120 barricas e que apenas 200 das 2.600 barricas, menos de 10% da carga, estavam sob a guarda da autoridade alfandegaria.
O inspetor Pedro Alvares informou também que contratou jangadeiros para salvarem barricas da Ruth, pagando 1.600 réis por unidade salva, mas parece que os jangadeiros preferiam realizar o transporte das barricas para um destino mais rentável. Pois no mesmo relato o inspetor pedia a seu chefe em Natal, João Bernardino Nunes, que pelo menos 30 praças do Corpo de Polícia fossem enviados para Maracajaú para evitar o extravio da carga, pois a entrega indevida deste material já se estendia por “mais de uma légua” ao longo da costa.
Pelo que está transcrito em O Argus Natalense, aparentemente o inspetor Pedro Alvares desejava cumprir o seu papel de fiscal da fazenda pública e cobrar as taxas alfandegarias pelos salvados da Ruth, independente do acordo feito pelo subdelegado Nobre Câmara com o capitão John Llufrio. Mas parece que seus esforços foram em vão.
Outros Acidentes
Quase dez anos depois do sinistro da Ruth, entre dezembro de 1860 e janeiro do ano seguinte uma pequena escuna norte americana chamada Madshler, de 350 toneladas, cujo comandante era o capitão Henshel, naufragou em Maracajaú com sua carga de ossos de animais, uma mercadoria que na época era destinada a ser reciclada como ração animal. Estas são praticamente as únicas indicações deste sinistro, que está registrado no periódico carioca Diário do Rio de Janeiro, edição de quarta feira, 30 de janeiro de 1861 e preservado na hemeroteca da Biblioteca Nacional.
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No mesmo jornal, na edição de 25 de maio de 1869, uma terça feira, na segunda página, na seção destinada às notícias vindas de Pernambuco, dá conta que no dia 10 de abril daquele ano um barco brasileiro chamado Santa Cruz, do tipo iate, ou “hiate” na grafia da época, registrado em Recife, havia partido da capital pernambucana com uma carga de fazendas e outros gêneros, a maioria desta pertencente ao rico comerciante Pedro José Gonçalves da Silva, para a cidade cearense de Aracati.
Dois dias depois, as oito da manhã de uma segunda feira, em meio a uma tempestade, o Santa Cruz encalha defronte ao povoado de Maracajaú. Ao bater nos parrachos foi aberto um rombo no casco de madeira, o barco encalhou e passou quatro horas enchendo de água e perdendo grande parte de sua carga. Contam que pouco foi salvo e que não se perdeu foi vendido em Natal “por conta do seguro”.
Talvez por ser um barco de pequeno porte, ou pela natureza de sua carga, ou quem sabe por ser o mesmo oriundo de um porto nordestino, as notícias sobre o sinistro desta embarcação são limitadas. Não sabemos quem era seu capitão, ou “Mestre”, nem o número de tripulantes. Desta vez nada temos sobre a participação da comunidade local no salvamento da carga e não existem problemas envolvendo agentes públicos e a carga sinistrada.
Entretanto sabemos que o frete entre Recife e Aracati foi de parcos 600 mil réis e que a avaliação do sinistro ficou na casa dos 120 contos. Consta na nota deste jornal uma forte crítica pelo uso de barcos limitados como o Santa Cruz, em detrimento da utilização de vapores no transporte de cargas.
Parrachos de Maracajaú, um afamado destino turístico
Parrachos de Maracajaú, um afamado destino turístico
Oito meses depois do sinistro do Santa Cruz, o próximo barco a sofrer danos nos parrachos de Maracajaú é a barca inglesa Gabalva. Era o dia 11 de janeiro de 1870, uma terça feira, a barca Gabalva tinha 479 toneladas, era comandada pelo capitão W. Hyde, transportava uma carga de vinhos, móveis, fazendas e outras mercadorias. A nave era registrada em Londres, seguia de Boston (outras fontes apontam Baltimore), nos Estados Unidos, em direção à cidade australiana de Melbourne. Este acidente, tudo indica, ocorreu a noite, em meio a uma tempestade.
Apesar da carga valiosa e útil, nada foi comentado sobre problemas envolvendo o recolhimento indevido da carga deste barco.
Afundamentos Desconhecidos e Cargas Típicas de Uma Época
A barca americana chamada T. Jeffie Southard, de 830 toneladas, comandada pelo capitão G. R. Handy, que seguia de Nova York a São Francisco através do Cabo Horn, sul da Argentina, foi destruída por choque com os parrachos de Maracajaú no dia 18 de março de 1882. Logo foi despachado para a região o pessoal do serviço alfandegário de Natal e membros da Força Pública para evitar o desvio da carga. O registro deste afundamento se encontra no periódico cearense Gazeta do Norte, de 15 de abril de 1882, existente na hemeroteca da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.
Típico padrão de uma barca americana
Típico padrão de uma barca americana
Pouco mais de um ano após este sinistro, na metade de junho de 1883, outro barco se tornou uma nova vítima dos parrachos de Rio do Fogo. Mas a nacionalidade, nome, tonelagem, nome do capitão, quantidade e destino dos tripulantes ficaram totalmente desconhecidos. Mas o jornal carioca Gazeta de Notícias, edição de sábado, 30 de junho de 1883, aponta que novamente as autoridades locais se apresavam em garantir os salvados deste barco misterioso.
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Quase no final do século XIX é a vez do patacho holandês Catherine Klesin ir de encontro aos parrachos de Maracajaú. Os patachos eram barcos de dois mastros e tonelagem variando de 40 a 100. No caso da Catherine Klesin ela era comandada pelo capitão J. Douwes, junto com uma tripulação de quatro marinheiros (todos se salvaram) e bateu nos parrachos às três da manhã. O patacho Catherine Klesin ficou totalmente destruído, mas parte do carregamento foi salvo. Ainda sobre o que a Catherine Klesin temos a informação que o material que ela transportava era uma miscelânea de produtos que tinham sua importância no final do século XIX; carvão de pedra, malte, garrafas vazias, coque, ferro em barras, vergalhões, sal, ácido sulfúrico, tintas, cortiça e sabão de potassa.
O acidente se deu em 5 de março de 1898 e ficou registrado nas páginas do jornal natalense A República, edição do dia 8 de março.
Conclusão
Os relatos dos afundamentos em Maracajaú e Rio do Fogo ao longo do século XIX, pelas características dos barcos e de suas cargas, pouco tem do charme envolvendo as histórias dos galeões espanhóis que afundaram no Caribe abarrotados de ouro e prata. Mas o conhecimento destes sinistros mostram características praticamente desconhecidas dos problemas marítimos na costa potiguar, a relação das autoridades com estes fatos e como as comunidades tradicionais de pescadores interagiam com estes acidentes.
Relato do afundamento da barca americana T. Jeffie Southard
Relato do afundamento da barca americana T. Jeffie Southard
Através dos relatos existentes nestes jornais antigos conseguimos informações sobre oito naufrágios ocorridos entre 1840 e 1898, de diferentes nacionalidades, transportando mercadorias variadas, provavelmente ainda latente na mente e na tradição oral dos pescadores de Maracajaú e Rio do Fogo, o que pode revelar muito mais sobre estes sinistros se bem trabalhadas com uma pesquisa histórica mais profunda.