03

quarta-feira, 19 de março de 2014

A importância de se ferrar, com a “ribeira”, os animais de uma propriedade rural


A “ribeira” é uma marca – carimbo ou ferro - registrada em cartório, que identifica os animais de uma determinada região, de uma propriedade rural, ou de uma família. Geralmente é ferrada na perna esquerda do animal, oposta, portanto, à marca do ferro de determinado proprietário, uma vez que esta é colocada na perna direita.

A família Diógenes mantém, há mais de um século, uma famosa, conhecida e tradicional ribeira. São quatro “C” em formato de cruz e emborcados - (há alguns que usam os “C” voltado para a direita, outros para a esquerda ou mesmo para cima), ferrada na perna esquerda dos animais, e que identifica - marca, ferra os bovinos, eqüinos e muares pertencentes a qualquer componente da nossa família.

Qualquer animal que apresente os quatro “C” na perna esquerda, pertence a um Diógenes, ou a ele pertenceu, caso referido animal tenha sido vendido.

A propósito, tenho um episódio a contar, ocorrido na década de 60, que diz bem - não somente da importância de nós Diógenes ferrarmos o rebanho com tal ribeira - como, e principalmente, do conceito e do reconhecimento da citada "marca" perante a região nordeste:

O meu pai comprou uma propriedade rural aqui no agreste potiguar - mais precisamente no "Vale do Japecanga", município de Parnamirim - RN. Propriedade muito boa, com quase 500 hectares, com um rio perene (Japecanga) correndo por toda a sua extensão, constituída, em sua maioria, por terreno - paul - apropriado para o cultivo da cana de açúcar e com um engenho de rapadura prontinho, todo equipado, apto a funcionar. A essa fazenda ele, Licurgo Nunes, numa homenagem póstuma ao sogro, amigo e compadre Lafayete Diógenes Maia, denominou-a de "Engenho Lafayete".

Só que, no referido engenho, não havia animais - muares - suficientes para trabalhar no transporte da cana de açúcar do “eito” para o engenho. Em uma outra sua propriedade - Fazenda Galeão - distante dois kms da Cidade de Marcelino Vieira, ele mantinha um rebanho considerável de burros-mulos - proveniente do cruzamento de “égua com jumento de lote". São animais fortes e resistentes, haja vista que esse cruzamento genético resulta em animais de porte excelente, diferentemente daqueles resultantes da junção de jumentas com cavalos, pois estes são bem menores. Com esse rebanho todo de burros, resolveu, então, trazer, do Alto Oeste Potiguar para o Agreste, doze desses animais para auxiliar no citado trabalho de transporte da cana.

Esses animais vieram a pé, tangidos pelo vaqueiro à época, Anacleto Silvestre da Silva, filho do casal João Silvestre da Silva/Maria Vieira da Silva, gerentes da citada propriedade.

A viagem transformou-se em uma verdadeira epopéia, dado ao inusitado, bem como por ser empreendida por um vaqueiro inexperiente nesse tipo de evento, até mesmo porque ele não conhecia o percurso.

O Desembargador Licurgo Nunes, muito precavido, planejou toda uma estratégia para que essa “expedição” fosse bem sucedida; equipou o citado vaqueiro com mantimentos para a sua subsistência; numerário suficiente para fazer frente a qualquer despesa que fosse necessária, e um roteiro do percurso a ser transposto. Redigiu cartas de recomendação aos amigos proprietários rurais por onde ele iria pousar. Desnecessário lembrar que à época não havia a telefonia celular (essa grande descoberta do século passado, assim como não havia o benfazejo GPS, tão útil nos dias atuais).

No primeiro dia de viagem, percorrendo 40 kms, pousaria na Fazenda “Curralinho”, no município de Catolé do Rocha, PB, do amigo Dr. Severino Maia, e, para aquele amigo, redigiu uma carta informando da missão do vaqueiro, bem como pedindo apoio logístico para aquela empreitada. No segundo dia seguinte, na Fazenda ... e assim sucessivamente, até o último dia da turnê.

Dona Cristina, a minha mãe – uma Diógenes autêntica, prática e determinada - duvidava do êxito dessa empreitada.

Decorridos dez dias para percorrer os 400 kms que separam as duas propriedades rurais, chega, finalmente, o Anacleto - são e salvo - ao Engenho Lafayete, com os animais todos, sem nenhum atropelo, sem nenhum contratempo.

Faz-se necessário lembrar que o Anacleto cumpriu fiel e integralmente o roteiro pré-estabelecido, mantendo uma média de 42kms por dia, e que todos os proprietários rurais aos quais foram dirigidos pedidos de apoio o fizeram da melhor maneira, proporcionando ao citado vaqueiro e aos animais a melhor acolhida.

Três dias após a chegada desses animais ao destino, quatro deles – como se não tivessem “gostado” do novo “habitat”, “resolveram” voltar; fugiram, desapareceram. Parece que eles “conheciam” os versos famosos de Joaquim Manoel de Macedo, que diz:

“Um célebre poeta polaco, descrevendo em magníficos versos uma floresta encantada de seu país, imaginou que as aves e os animais ali nascidos, quando por acaso longe se achavam e sentiam que se aproximava a hora de sua morte, voavam ou corriam todos para morrerem à sombra das árvores do bosque imenso onde haviam nascido”.

Constatado o sumiço, formou-se um grande movimento no sentido de achá-los; equipes mobilizadas tentando localizá-los, anúncios em programas de rádios, etc., até que, decorridos quatro dias desse sumiço, os animais, passando por uma propriedade localizada após a Cidade de Santa Cruz, na Região do Trairí, (já caminhando no sentido inverso, rumo ao alto Oeste, “à procura da sombra das árvores do bosque imenso onde haviam nascido”) foram apreendidos – interceptados - pelo fazendeiro que os recolheu ao curral, e logo viu a ribeira ferrada na perna esquerda de todos eles. Conhecedor de que aquela ribeira era privativa da família Diógenes, e sabendo que na Cidade de Currais Novos havia um funcionário do Banco do Brasil (muito conhecido na região, pois era Fiscal da carteira agrícola da referida instituição bancária) – José Marcelino Neto - Deinho - que era casado com uma Diógenes (Maria Cristina Diógenes Nunes Marcelino) e, por coincidência, genro do Desembargador Licurgo Nunes, procurou-o e falou sobre os animais. Foi a “salvação da lavoura”, pois fez com que os muares fujões fossem recuperados.


                                                                                                            Licurgo Nunes Quarto

Nenhum comentário:

Postar um comentário

As postagens que venham a desrespeitar moralmente ou legalmente a algo ou alguém, serão excluidas.. Para evitar que isso aconteça evite esses tipos de comentários.. Desde já agradecemos..