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segunda-feira, 26 de junho de 2017

E LÁ SE FOI ZÉ BONGA... CONSERTAR OS SAPATOS DE DEUS


Hoje, 26 de junho, Pau dos Ferros amanheceu descalça, pois ontem (25), São Pedro abriu as portas do céu para José Oliveira da Silva (81 anos), vulgo não, conhecido e maciçamente conhecido como Zé Bonga. O sapateiro da cidade. O beque do time de Pau dos Ferros. O porteiro do Estádio 9 de Janeiro. 

Olhar sério, poucas palavras, mas firmes como cola quente de sapato... Zé Bonga nasceu em nossa cidade em 1935, passou uma temporada em Brasília, porém retornou a Pau dos Ferros e, apesar de ter começado a trabalhar no ofício de pedreiro, foi como sapateiro que ele se tornou uma lenda viva de nossa cultura. Não há nenhum pauferrense, de meados do século XX até os dias atuais, que tenha vivido alguns fiapos de dias em nossa terra, que não saiba quem é Zé Bonga. Eu desafio! Bolsas, sandálias, tênis, chinelos, sapatos, chuteiras, patins, cinturões, bolas de futebol, futsal, luvas de vaqueiro, perneiras, gibão, selas, tudo passou pelas mãos de Zé, tudo que seja de couro e/ou que se calce ou se vista, ele passava a agulha ou a cola. O homi era bom. E num tinha infeliz que botasse um defeito.

E de onde vem o Bonga, Zé? Nosso sapateiro era zagueiro do time da cidade, o Clube Centenário Pauferrense, CCP. Conta-se que devido a existirem apelidos parecidos na equipe como o do craque do time, Bobô, assim como também Bobó, Zé ficou com o Bonga para carregar por toda a vida e fazer parte da história de todos os pauferrenses. 

A moral e a popularidade de Zé Bonga eram tão grande que ele já entrou para as páginas da literatura, para a imortalidade dos livros... Citado num trecho, como personagem do livro "Quem matou Odilon Peixoto", do santanense José Sávio Lopes. O livro, por sua vez, proseia sobre uma história ocorrida na década de 50, na Serra de Mundo Novo, hoje Dr. Severiano, motivo de matérias vindouras, eis o trecho: 

"O Tenente Ungido, conhecido por sua competência em desvendar os mais escabrosos crimes da capital. Era uma questão de honra para as autoridades coibir as ações como a então ocorrida. O sertão não poderia ficar à mercê de bandidos.
                                                                 ****
Enquanto boatos sobravam nos botecos, passava de uma semana o processo de investigação para desvendar o assalto do Fomento, e nada de pistas.

De boato em boato, Zé Bonga foi inquirido para depor.

-Doutor, eu não sei de nada. Isso é futrica desse povo que não tem o que fazer. Eu sou um pobre sapateiro, trabalho ali naquele beco estreito, à direita de quem sai do cinema. Nas horas vagas sou "beque" do time aqui de Pau-Ferrado.

-E que "beque", Tenente! Aqui em Pau-Ferrado se diz que o "centefor" que dividir bola com Zé Bonga, vira defunto ou carniça! - sem pedir permissão, interrompia Nonato Vaqueiro, o escrivão que reduzia a termo o depoimento.

Sem nada acrescido aos depoimentos tomados, o Tenente Ungido começou a pensar no convite que recebera naquela tarde."



Nosso Zé encantou-se às 13h de um domingo provinciano, bem distante daqueles domingos fervidos pelo sol e pela animação dos nossos munícipes, desportistas de toda a região, propícios para o futebol dominical, os jogos da nossa Sociedade Esportiva Pauferrense. "Vai pro jogo do Sociedade?" E ao chegar ao estádio, quem estava na portaria para receber seu ingresso com aquele jeito simpático de ser? Seu Zé Bonga! O sapateiro que não arredava o pé de nosso esporte, o zagueiro que fazia marcação cerrada em todo mundo, o costurador de costela de bola, o ajeitador de sapato que andava com as sandálias da humildade, o ganhador do pão de cada dia honestamente. Que o autor do universo possa receber, em seus braços, este homem simples, que é a riqueza da cultura de Pau dos Ferros! Salve Zé Bonga!


Por Manoel Cavalcante