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quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

MASSILON PARTE III

       

   A estrada enchia-se novamente aos domingos, por causa da missa, uma espécie de prolongamento da festa que era a feira, tal o seu significado para aquelas populações.
     Acordávamos cedo, antes que a nascente e bronzeada manhã se enchesse de sol. Começava Madrinha a lida diária: levar comida e água para as galinhas do chiqueiro, coar o café, preparar o almoço, ir à vazante. Eu ia ao açougue (chamavam de tarimba) receber a carne que tio glicério nos dava e à mercearia de tio Evaldo apanhar o pão para o nosso café. Ele me dava um pão doce, eu o comia aos pouquinhos, com avareza, para fazê-lo render, deixando para o fim o lombo, a parte do açúcar.
         Galinhas entravam em casa. Eu as enxotava. Tacava-lhes o chiqueirador sem piedade. As bichas corriam, metiam-se debaixo da mesa, voavam assustadas, cacarejando escandalosamente, soltando penas, sujando a casa.
        Dava-se sumo de mastruz às galinhas para emendar perna quebrada. Procurava-se ninho de galinha e guiné nas moitas do cercado, deixando-se sempre o indez. Dizia minha avó que as cobras e os tiús comiam os ovos dos ninhos e que tiú tinha carne saborosa, com gosto de galinha. No depósito de teto baixo chocavam-se as galinhas e lá eram guardados os pintos e os borregos recém-nascidos, por causa dos gaviões. 
         Eu brincava sozinho com meus bois de osso. Possuía muito gado, e todo bem limpinho, branco como algodão. Punha-o nos currais de gravetos do terreiro da frente da casa, do oitão e debaixo de árvores  no quintal. Os ossinhos eram minhas riquezas, meu único brinquedo, meu mundo e encheram de encantamento aqueles tempos de menino solitário.
         Nas horas de calor mais intenso sobrevinham momentos de silêncio e calmaria. Não se viam transeuntes na estrada, não ondulava a água azul do açude, que parecia derramar-se no infinito, às  folhas não se moviam e o céu ficava limpo como terreiro varrido. Da terra seca, batida de rijo pelo sol abrasador, levantava-se mormaço sufocante, aumentando a soalheira. O vento parava. Tudo parava. 
        Era a hora da sesta. Metia-se minha avó em seu quarto. Avelino e Laura cochilavam em seus cantos. Eu me sentava à janela ou no batente da porta. De vez em quando a cantilena de saudade do fogo-pagou quebrava o silêncio. do fundo das moitas, onde se espojavam, vinham o cacarejo das galinhas e o tô-fraco dos guinés.
     À tardinha, passado entorpecimento, a vida ressurgia. A sombra da casa projetava-se no terreiro com o desenho do beiral do telhado. Eu trazia "meu gado" para a frente da casa e entrava no meu mundo imaginário.
    Os homens banhavam-se no açude, nus ou de cueca e assustavam os meninos, dizendo-lhes que os peixes iam arrancar-lhes a piroca.
       Estive uma vez (não me lembro quem me levou) no local reservado ao banho das mulheres e guardo a vívida lembrança de que algumas banhavam-se em pelo. Uma delas passou passou minha mão no seu púbis, alisando-o e perguntou se eu achava bonito, se já tinha visto aquilo...
       A mercearia enchia-se nos dias de feira. Alguns fregueses deixavam as montarias sujando a rua e ficavam a conversar, sem nenhuma pressa. Encostavam-se no balcão, sentavam-se em tamboretes, em sacos de cereais e tomavam bicadas de cachaça. Fumavam, mascavam fumo de corda e largavam pretas cusparadas no chão. 


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