Eu não moro mais na
rua
Da calçada de
Lisboa,
Lugar que a gente
fazia
Uma cachorrada boa,
Jogando conversa
fora
Falando de gente
atoa...
Na minh’alma inda
ecoa
Lembranças daquela
rua,
Palco em que
brinquei de tica
Sob os olhares da
lua;
Já são anos de
distância
E a saudade
continua...
Nesta fabulosa rua
Eu me criei sendo
ruim,
Jogando pedra nas
telhas,
Brincando em trave
mirim
Apostando um e
cinqüenta
Para chupar de
din-din...
Eu me criei foi
assim
Sem ter
sofisticação,
Jogando o pião na
terra
Depois botando na
mão,
Guiando carro de
lata
Amarrado num
cordão.
Mas hoje, só tem
mansão
Na minha rua
querida,
Prédios belos,
faraônicos
Em um crescer sem
medida,
Nem parece aquele
canto
Em que eu fui feliz
na vida.
Vejo no tempo, perdida,
A forma
tradicional.
Aquelas casas
antigas
De teor escultural
Foram todas
reformadas
Pelo progresso
banal.
Eu até me sinto mal
Ao lembrar dessa
mudança,
Me bate uma dor
fervente
Queimando minha
esperança
De ver de novo o
cenário
Que brinquei quando
criança.
Mas meu peito não
se cansa
Insistindo em
recordar
E eu lembrei de uma história
Que ouvi naquele
lugar,
Coisa que vale um
tesouro
Difícil de avaliar.
Antes do sol se
deitar
E a lua vir como
vela,
Bem na cabeça do
alto
Debruçada na janela,
Ficava Tita
cantando
As canções do tempo
dela.
Tita, era moça
velha
Que na rua residia,
Gostava de
conversar
E cantar a Ave
Maria
Mesmo na hora em que
a noite
Saudava a morte do
dia.
E foi num lendário
dia
Que bem na hora da
janta
Eu desci para a
calçada
De sua mãe, Dona
Santa,
Para ouvir Tita
Cantar
O que até hoje me
encanta.
Numa hora
sacrossanta
Tita depois de
cantar,
Falou que num certo
dia
Tinha ido conversar
Na praça com o Obelisco
E ouvir ele
reclamar:
-Amiga, eu vou
confessar,
Meu sofrimento é
por dez...
Me botaram
corretivo
Mijaram muito em
meus pés
E eu sempre fiquei
calado
Sem oferecer revés.
Dos meus filhos
infiéis,
Poucos sabem que eu
sou.
Há mais de 50 anos
Plantado aqui eu
estou
E ninguém hoje
calcula
O que isso
representou.
Muito tempo se
passou,
Mas poucos lembram
do dia
Que eu nasci
comemorando
Na mais profunda
alegria
100 anos de
município,
200 de freguesia.
Hoje eu sou como um
vigia,
Pois minha altura,
em verdade,
Faz com que eu
presencie
Olhando em
passividade
O que acontece nos
quatro
Cantos de nossa
cidade.
Confesso, que à
divindade,
Dou muito
agradecimento...
Ainda bem que meu
Deus
Me fez assim de
cimento
Porque com tudo que
vejo
Morreria de
tormento.
Se eu tivesse
sentimento,
Veias, sangue,
coração,
Eu já teria morrido
Da dor da decepção
Chorando a
realidade
Dos filhos do meu
torrão.
De cima eu tenho a
visão
De um sofrer que
desanima.
Se eu não fosse de
concreto,
Do pé até lá em
cima
Já teria derretido
Com a sequidão do
clima.
Já contemplei sem
estima
Aqui mesmo nessa
praça,
Diversas bandas
tocando
Enaltecendo
cachaça,
Farra e
prostituição
E o povão achando
graça.
Vejo a perdição que
abraça
A juventude atual.
Adolescentes de
preto
Fumando no madrigal
Comemorando o
velório
De uma morte
cultural.
Vejo a vaidade
imoral
Nos regendo todo
dia.
Gente banhada de
ouro
Na mais fina
regalia
Cheia de roupas de
grife,
Mas com a barriga
vazia.
Carro zero em
garantia
Mansão como
monumento,
Tudo dando a
impressão
Que está bancando o
momento,
Mas no fim das contas deve
Até promessa a
jumento.
Da periferia ao
centro,
A droga é como
rotina,
Trocada por todo
canto,
Vendida por toda
esquina
Acabando com as
famílias
Da mais ralé a mais
fina.
No crack e na
cocaína
Tem muita gente
perdida
Jogando tudo no
lixo
Como em ato suicida,
Ceifando sonhos nas
curvas
Da rodovia da vida.
Em cada rua
entupida
É feia a situação,
O trânsito está
caótico
Carecendo de
atenção;
Com acidentes por
falta
De uma sinalização.
Além disso, sem
razão,
Há uma grande
impunidade,
Quem mata por brincadeira
Na
irresponsabilidade,
Desfila de cara
limpa
Na maior
felicidade.
Mas o pior, na
cidade,
É a política ao meu
ver,
Famílias se
abufelando
Pelas tetas do
poder
Mamando por muitos
anos
Vendo a pobreza
crescer.
Brigam, brigam por
poder,
Depois se abraçam
de novo;
Com esse tipo de
coisa
Juro que não me
comovo
Porque no final da
história
Só quem se lasca é
povo.
O mesmo bendito
povo
Que no tempo de
eleição,
É comprado por
remédio
Uma feira e um
bujão
E sem opinião
própria
Fica arrotando
paixão.
Nas ruas, a
multidão
Sem ter nada na
cachola...
Na favela mil
crianças
Vivendo de crime e
esmola
Superlotando os
barracos
E esvaziando a
escola.
Vejo esse sofrer
que assola
A cidade em todo
plano.
Nos hospitais morre
gente
Pelo descaso
tirano,
Sendo com toda
verdade
Como um matadouro
humano.
Envolto no
desengano,
Para não correr o
risco,
Eu bradei: Tita, se
cale!
Não conte mais
nenhum trisco
Que já estou
agoniado
Com essa história
do Obelisco.
Por temer um maior
risco
Ela decidiu parar
E me disse:-Só
parei
Para não te
amedrontar
Porque ele inda tem
muita
Coisa pra me
confessar.
Mas eu disse: -É
bom parar
Que uma dor já me
espezinha
E se eu for ficar
pensando
Que essa cidade é a
minha
Por muitos e muitos
dias
Eu não vou dormir
nadinha.
Tita ficou lá
sozinha,
Eu dei tchau, dei
um sorriso...
Ouvi isso tudo dela
E até hoje ainda
friso
Que qualquer um me
irrita
Se vier dizer que
Tita
Era fraca do juízo.
POR MANOEL CAVALCANTE
O poeta Manoel Cavalcante é digno de aplausos. A descrição inicial de Pau dos Ferros é a memória viva da minha infância, que jamais esqueci. E de todas as crianças do meu tempo. Muita saudade e muita tristeza pelas mudanças. João Escolástico Bezerra Filho.
ResponderExcluirOlhando bem dentro da foto la dentro estava o cinema onde so passava filme de calboi americano no obelisco agente brincava de renda-se, saudades de muitos amigos de infancia Renato de Dr. Cleodon, Elias de Zequinha, Cleanto de Dr. Paulo, Zé Maria e Nilson de Zefirino, fica dificil falar das meninas hoje todas casadas, mas vamos la vou citar algumas no meio delas grandes paixões Eulalia Maia, Betania de Saturno, Solenia de Zefirino, Clelia do Dr. Paulo, Maria José etantas outras todas lindas, amem.
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