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quarta-feira, 17 de junho de 2020

COMUNIDADE LGBTQIA+ DE PAU DOS FERROS: histórias, resistências e lutas

[LEIAM ATÉ O FINAL]
Destaque: Encontros de Visibilidade Trans em Pau dos Ferros (2019-2020)
Pau dos Ferros é, historicamente, uma cidade que marginaliza o (a) “cidadão (ã)” fora do padrão normativo social. O marginal, entendido por alguns como alguém que infringe as regras e leis, é, na verdade, alguém que foi deixado às bermas da estrada por não seguir o fio condutor da normatividade. Esta última definição é social, e é através dela que posiciono o meu discurso na memória de hoje.
Marginalizados desde sempre, a comunidade LGBTQIA+ de Pau dos Ferros tem enfrentado, cotidianamente, o racismo e a discriminação travestida de um discurso que diz “respeitar” (o que não significa “aceitar”) os direitos e sistemas de vidas das pessoas que pertencem à essa comunidade.
Nas décadas de 70 e 80, homossexuais pau-ferrenses ficavam à sombra dos costumes hegemônicos e normalizadores da “família tradicional”, silenciados em suas vontades e em seus desejos de expressarem o que havia de mais humano: ser quem de fato são.
Alguns de meus amigos que viveram nessas décadas me disseram que, além da família, os homossexuais eram reprimidos em festas, comunidades, feiras, igrejas (sobretudo nas igrejas, vixe!) etc. Neste parágrafo me refiro aos homossexuais abertamente assumidos da cidade naquela época (imaginem os que não eram).
Se fosse travestir: - Eita, corre que “os alibans” estão vindo para me bater e pegar o meu “aqüé”. Quando falo em travestir, me vem à memória os nomes de Rubinha e Magnólia, nomes de resistência e luta pela vida; pelo direito de amar diferente e de serem tão autênticas quando mais ninguém era nos anos 90 em Pau dos Ferros. Elas foram excluídas das instituições escolares, igrejas, das atividades sociais e de qualquer outro lugar onde o padrão normativo estivesse imposto (por isso tantos outros homossexuais não assumiam suas reais condições, preferiam (sobre)viver à sombra da exclusão social).
Rubinha e Magnólia significam CORAGEM para mim. Corajosas em transitar “livremente” nas ruas. O “livremente” está em aspas pelo fato de que, em vez de receberem flores de possíveis admiradores, recebiam cuspidas, pedradas e chacotas de pessoas homofóbicas. Algumas pessoas achavam que as travestis eram palhaças, mas que, no escuro da noite, saiam de suas casas em busca de uma maravilhosa noite com elas (a psicologia explica).
Poucos locais aceitavam a permanência delas, como, por exemplo, o Pavilhão. Quem lembra de ver no Pavilhão, sentadas à uma mesa, Rubinha e Magnólia com um grupo de amigas e amigos a conversar, beber e sorrir com as histórias umas das outras? Eu lembro! Mas, espere aí, o Pavilhão não era um espaço da elite? No início dos anos 2000 já estava marginalizado e pouco frequentado, até ser fechado na virada da década. Os bares da elite eram outros, onde até a forma de sentar tinha que ser padrão, tão finos quanto as taças de cristais (cristais tão vagabundos que enganavam o pobre-rico).
Nos anos 2000, com o advento de políticas públicas inclusivas, pessoas homossexuais passaram a ter garantias de direitos importantes para o exercício de sua cidadania. Essas garantias foram oportunizadas através do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça (Direito ao uso do nome social por pessoas transexuais e travestis; União estável e Casamento entre pessoas do mesmo sexo; Adoção por pessoas LGBT; Direitos Previdenciários etc.), já que a banca do BBB (Boi, Bala e Bíblia), no congresso nacional, incapacita positivos avanços legislativos no Brasil.
É nos anos 2000 que surge figuras importantes para a memória trans em Pau dos Ferros, quais sejam: Clarice Nolasco e Murilo Gonçalves, ativistas pelas causas LGBTQIA+ dos pau-ferrenses, sobretudo de pessoas trans. Clarice é uma menina de voz forte e de muito conhecimento sobre os direitos e conquistas de sua comunidade. Contrariando as estatísticas, Clarice é graduanda no Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e, com certeza, não vai parar por aí. Murilo Gonçalves também foi um jovem cheio de vida, que conquistou a confiança de sua comunidade pela capacidade de defender os seus e de acreditar no potencial das pessoas serem autênticas consigo mesmas.
Infelizmente, Murilo faleceu no ano de 2019, mas, saibam, pau-ferrenses, nós temos história nos anais do Rio Grande do Norte. Vocês sabiam que o único Ambulatório de Saúde Integral do RN para Travestis e Transexuais recebe o nome de Murilo Gonçalves? Saibam! Localizado em Natal, recebe o nome de Ambulatório Estadual de Transexuais e Travestis Murilo Gonçalves. Apesar do contínuo preconceito e da discriminação imposta por alguns da cidade, Pau dos Ferros está, sim, inscrita nos anais da história LGBTQIA+ de nosso estado.
Além da inscrição positiva na história do RN, Pau dos Ferros também escreveu história negativa, quando, em 2017, foi aprovada a Lei Nº 1804 na Câmara Municipal, cujo objetivo era de PROIBIR discussões do que a ignorância legislativa pau-ferrense chama de “ideologia de gênero”. A lei foi proposta pelos Vereadores Hugo Alexandre e Sargento Monteiro, tendo sido foi aprovada pelo placar de 8 a 2, causando indignação na comunidade LGBTQIA+; acadêmica; e jurídica da cidade (a OAB emitiu nota de repúdio).
Votaram a favor do projeto os seguintes vereadores: Xixico (PSD), Gilson Rêgo (DEM), Sargento Monteiro (PSD), Gordo do Bar (DEM), Jader Júnior (PSDC), Gugu Bessa (DEM), Renato Alves (DEM), além do autor da matéria, Hugo Alexandre (PTN). Somente os vereadores Galego do Alho (PMDB) e Bolinha Aires (PSD) foram contrários ao projeto. O Projeto de Lei foi sancionado pelo atual Prefeito, Leonardo Rêgo, no mesmo ano, Lei Nº 1612/2017. SAIBA DISSO, Pau dos Ferros!
Para a nossa “honra e glória” (como é dito no discurso religioso - pagando aqui com a mesma moeda -), o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional, em abril de 2020, projetos e leis que proíbem o diálogo sobre gênero nas escolas. SAIBA DISSO TAMBÉM, Pau dos Ferros!
Há muitas histórias da comunidade LGBTQIA+ pau-ferrense, distribuídas nas mais diversas narrativas: de sucessos, lutas, perdas, conquistas, preconceitos, exclusão e muitas outras, que só ganham destaque pelo lugar de fala de cada um, uma vez que a memória pertence a quem tem propriedade para falar sobre ela.
Espero que esse texto inspire outros pau-ferrenses a contar suas histórias e de registrar, na PAREDE DA MEMÓRIA COLETIVA DE PAU DOS FERROS, a luta constante de quem busca, acima de todos os outros diretos, o mais importante deles, O DIREITO DE AMAR.
Clarice Nolasco, Murilo Gonçalves, Rubinha e Magnólia, vocês são referências LGBTQIA+ de Pau dos Ferros!
DEIXO AQUI O MEU REGISTRO E HOMENAGEM, NO MÊS DO ORGULHO LGBTQIA+ E POR TODO O SEMPRE, AOS PAU-FERRENSES QUE FORAM EXCLUÍDOS E DISCRIMINADOS PELO FATO DE AMAR DIFERENTE.
Victor Rafael do Nascimento Mendes
Gay, Pau-Ferrense, Professor, Mestre e Doutorando.
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