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sexta-feira, 22 de abril de 2016

O NOME DA MINHA CIDADE É PAU DOS FERROS


-Pau dos Ferros? -Sim, Pau dos Ferros. Tenho bussoluta certeza, e bussoluta vem de bússola, que essa pergunta inicial em sinal de estranheza ante a revelação de nossa terra natal, é um episódio frequente quando algum pauferrense sai para outras regiões do país e até para fora do Brasil, no entanto, quando explicamos a origem do nome, todos fazem reverência à originalidade. É como diz um poeta amigo meu: -Pode até existir um mais bonito, mas igual num tem não. 

Na contramão da identidade de nossa cidade ao menos no nome, nosso Estado é um seio farto e férfil de autoafirmação pessoal, personificação das ações e disseminação das oligarquias, através da invasão de identidade. Temos 167 municípios e destes, cerca de 25 %, um quarto, tem nomes de pessoas, direta ou indiretamente, 34 têm nome próprio como Rafael Fernandes, Marcelino Vieira ou sobrenome próprio como Martins. Outros trazem a alcunha hierárquica como ousadia: Tenente Laurentino Cruz, Senador Elói de Souza e outras 6, trazem o nome indiretamente, o que é pior, pois dá a ideia de posse, que aquela cidade, aquela história, é de uma única pessoa ou de uma única família: Timbaúba dos Batistas, Olho Dágua do Borges, Santana do Matos etc. Homenagens são justas e sabemos da importância de grandes líderes, todavia, por mais perspicaz que seja a pessoa, o ser humano, a influência daquela família, não é de bom grado, colocá-los no topo do ranking, como os maiorais e olhe que muitas vezes nem são. Reverenciá-los de outra forma seria mais coerente. 

Acompanhemos os nomes abaixo:

1. João Câmara
2. Nísia Floresta
3. Afonso Bezerra
4. Almino Afonso
5. Frutuoso Gomes
6. Pedro Velho
7. Ielmo Marinho
8. Governador Dix-Sept Rosado
9. Tenente Ananias
10. Luís Gomes
11. Antônio Martins
12. Pedro Avelino
13. Doutor Severiano
14. José da Penha
15. Felipe Guerra
16. Tenente Laurentino Cruz
17. Coronel Ezequiel
18. Bento Fernandes
19. Martins
20. Coronel João Pessoa
21. Rodolfo Fernandes
22. Messias Targino
23. Senador Georgino Avelino
24. Lucrécia
25. Ruy Barbosa
26. Rafael Godeiro
27. Fernando Pedrosa
28. Francisco Dantas
29. João Dias
30. Rafael Fernandes
31. Senador Eloi de Souza
32. Severiano Melo
33. Major Sales
34. Alexandria

E ainda:

1. Carnaúba dos Dantas
2. Timbaúba dos Batistas
3. Olho Dágua do Borges
4. Alto do Rogrigues
5. Santana do Matos
6. Serrinha dos Pintos

Contudo, nem tudo está perdido, três cidades do Rio Grande do Norte deixaram as alcunhas pessoais e hoje possuem seus novos-antigos nomes com auteti(cidade) e originalidade. Ei-las:

Boa Saúde deixou de ser Januário Cicco (médico) que agora é apenas uma maternidade, por sinal muito conceituada; 

Serra Caiada deixou de ser Presidente Juscelino que, por sua vez, num sabe nem sabia nem onde ficava Serra Caiada. A população escolheu num plebiscito em 2012 com 98,53% dos votos, a favor da troca, ou seja, o nobre Juscelino Kubitschek não recebeu um real de cabimento dos serracaiadenses;

Campo Grande, deixou de ser Augusto Severo após uma manifestação de menosprezo de um familiar do referido patrono, explicitada numa solenidade, dizendo que era uma cidade minoritária, muito longe da capital e outras asneiras... Um pesquisador da cidade estava presente e fez um abaixo assinado na cidade, que voltou a ser Campo Grande em 1991.

Certa feita, um amigo me confidenciou ser bisneto de Coronel João Pessoa, e mesmo assim, preferia que o nome da cidade fosse Baixio de Nazaré, haja vista aquela pequenita cidade estar localizada em um grande baixio. Belo nome, né não?!

Por falar em belo, Caiçara do Rio do Vento, cidade perto de nossa capital, já ganhou um concurso, certa vez, como um dos nomes de cidades mais belos do país. E com justiça.

Nossa própria Pau dos Ferros, ainda teve como sugestão Vila Cristina, mas não vingou. A cidade de Encanto, antes de emancipada, era Joaquim Correia, um mecenas da educação e grande líder político, hoje é nome do centro cultural em nossa cidade, que inclusive foi construído por ele. Mais justo né não?!

Não obstante a isso, desperdiçamos vários nomes justos, intrínsecos de cada região, de cada lugar em detrimento de nomes pessoais... Que pena.

Felipe Guerra, cidade de belezas naturais, deixou de ser Pedra da Abelha... Algum outro lugar teria uma pedra com o formato de uma abelha? Olha só quão bonitas são as paisagens de Pedra de Abelha:


Antônio Martins antes era Boa Esperança, bonito e singelo, concorda? Alexandria era chamada de Barriguda, em homenagem a Serra da Barriguda, cartão postal do município... Nome que além de exaltar a própria cidade, deixaria todo mundo de bucho cheio, nera? Olha a Barriguda aí:


Rafael Godeiro atendia por Várzea da Caatinga, lindo demais... Rafael Fernandes por Varzinha, Frutuoso Gomes por Mombaça... Rodolfo Fernandes já foi Serrote dos Gatos, Tenente Ananias já foi Água Marinha, Major Sales já foi Cavas, Doutor Severiano: Mundo Novo, Francisco Dantas era Riacho Tesoura, quer nome mais afiado? São infindos os exemplos.

São nomes de políticos, médicos, autoridades da justiça e da polícia que imperam, apenas três nomes de mulheres ou que fazem reverência a ela: Nísia Floresta, Alexandria e Lucrécia. É a velha relação do maior contra o menor, da sociedade patriarcal. Bonito também seria: Vaqueiro Zé do Gado, Agricultor Antônio das Umburanas... Mas, parece sonho que os trabalhadores da terra e das lutas naturais tenham essa honraria.

Ainda existem as cidades com nome de santos da igreja católica, o que desfaz a laicidade do estado, no caso do município, mas nisso nem vamos tocar...

Contudo, respiramos quando vemos nomes em tupi-guarani como Assu, Itaú, Canguaretama, Ipanguaçu, Parnamirim e outros mais... Temos essa vantagem.

Por fim, os pauferrenses só têm a comemorar a identidade do nome, a originalidade do gentílico, lutando sempre em favor da manutenção e valorização da cultura de raiz. Oremos!

Por Manoel Cavalcante (que é contra a existência do povo cavalcantense).







domingo, 17 de abril de 2016

O ATAQUE DOS CANGACEIROS DE LAMPIÃO A ANTÔNIO MARTINS – RN

4-Lampião gostava de mostrar-se um homeme inteligente perante as câmeras


E o Exemplo De Uma Cidade Potiguar na Preservação de Um Dia Intenso

Autor – Rostand Medeiros
1927 foi um ano bem intenso na história do Rio Grande do Norte. Enquanto os sobrevoos de aeronaves vindas da Itália, Portugal, Estados Unidos e França faziam com que a capital potiguar marcasse presença em jornais de circulação mundial com, o nosso sertão era “visitado” pelo maior bandoleiro da história do Brasil, o cangaceiro pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, o famoso Lampião.
Seu ataque às terras potiguares, junto com um numeroso e feroz bando de cangaceiros, aconteceu em junho daquele ano e tinha como principal objetivo a progressista cidade de Mossoró. Mas ao longo do trajeto algumas comunidades e muitas propriedades foram invadidas, ultrajadas, roubadas e saqueadas. Em um imemoriável frenesi de medo, terror, gritos, sangue e mortes.
O ataque de Lampião ao Rio Grande do Norte jamais foi esquecido nestas comunidades e em alguns destes locais existe uma luta muito interessante e louvável para preservar a memória daqueles dias estranhos e intensos.
Um destes locais é a cidade de Antônio Martins.
A Chegada dos Celerados
Em 2010 eu percorri pela primeira vez o caminho de Lampião no Rio Grande do Norte, passando pelos territórios de dezenove municípios potiguares, como parte de uma pesquisa para o SEBRAE-RN[1].
Cidade de Antonio Martins


Quando estive em Antônio Martins eu conheci e recebi o apoio do escritor Chagas Cristóvão, que na época exercia o cargo de Secretário Municipal de Turismo e Cultura daquela cidade.
Competente pesquisador da história da sua comunidade, Cristóvão comentou que na época da invasão dos cangaceiros a atual cidade de Antônio Martins tinha a denominação de Boa Esperança. Era então uma pequena concentração de casas, onde viviam cerca de 350 a 400 habitantes, sendo parte do território da cidade serrana de Martins[2].
Em 11 de junho de 1927, dia da chegada do bando de cangaceiros a localidade, coincidiu com as celebrações da festa do padroeiro local, Santo Antônio.
De certa maneira esta situação de comemoração, novenas e alegria do povo do lugarejo foi muito útil para o grupo de celerados, pois pegou a todos na comunidade bastante desprevenidos, sendo a pequena urbe rapidamente ocupada. Aquela localidade era o primeiro núcleo urbano invadido pelo bando de cangaceiros de Lampião no Rio Grande do Norte.
                                           
                                                            Justino Ferreira de Souza, fundador do povoado de Boa Esperança
Naquele mesmo 11 de junho, o povo de Boa Esperança aguardava a chegada de uma banda de música da cidade paraibana de Catolé do Rocha. Mas por atraso da saída destes músicos da cidade fronteiriça, não ouve o encontro da banda musical com os cangaceiros. Para Cristóvão esta também é outra das razões para a população da cidade ter sido pega totalmente de surpresa quando da entrada do bando. Vale ressaltar que durante a entrada dos bandidos na vila, um deles fazia a função de corneteiro, tocando um destes instrumentos que havia sido capturado dos policiais batidos no combate da Caiçara[3].
Neste período o fundador do lugar e líder político era Justino Ferreira de Souza. Ele foi avisado da chegada do grupo, mas diante do fato consumado decidiu esperar e ver o que acontecia.
Logo o bando adentra a rua principal. Ao perceberem quem eram os cavaleiros o pânico se instalou. Pessoas correram para todo lado. Os cangaceiros atiravam para o alto, gritavam, urravam, batiam e galopavam invadindo e saqueando as casas do lugarejo.
Lampião estava particularmente raivoso. Entre as sandices cometidas em Boa Esperança temos o suplício de Vicente Teixeira de Lira.
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     Aqui vemos Vicente Teixeira de Lira, que escapou por milagre de morrer nas garras de Lampião e dos seus homens.
O caso começou quando Lira deu uma resposta que o chefe cangaceiro pernambucano considerou insolente e foi “convocado” por Lampião. O humilde potiguar foi então obrigado a seguir à frente do bando, segurando na correia da alimária de Lampião. Em dado momento Lira escorregou no chão de terra e o cavalo do chefe dos bandidos quase lhe colocou no chão. Foi o que bastou para o pobre aldeão levar uma extensa cutilada de punhal. Para piorar sua situação, em frente à igreja de Santo Antônio, outros bandoleiros fizeram pouco caso de sua má sorte e o obrigaram a beber cachaça. Ele quase morreu.
Entre os locais de comércio que foram atacados estava a mercearia e a casa de Francisco Justino, onde os homens armados se abasteceram de vários gêneros e beberam muita cachaça. Com muita conversa, jeito, extremo tato, este pequeno negociante conseguiu que Lampião demovesse os seus seguidores de continuarem na sinistra depredação.
Alguns reféns anteriormente capturados pelos cangaceiros na passagem por propriedades que ficavam localizadas antes desta comunidade conseguiram fugir em meio a toda confusão reinante.
Na vila não faltaram ameaças, espancamentos e roubos de produtos em casas comerciais.
Uma Novaes no Rio Grande
Outro caso que ficou famoso foi no momento em que Sabino, o braço direito de Lampião na empreitada por terras potiguares, saqueava a loja e a residência de Augusto Nunes de Aquino. Sabino se preparava para levar a mulher do comerciante, Dona Rosina Novaes, como refém.
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Dona Rosina Novaes, mulher do comerciante Augusto Nunes de Aquino. O sobrenome desta pernambucana do Pajeú fez Lampião diminuir o ímpeto do ataque de seu bando a pequena vila.
No momento de ser colocada em um cavalo e seguir com a turba encourada, Dona Rosina desabafou com o perigoso Sabino, comentando detalhes de sua procedência e a origem do seu nome de família.  Sabino, ao escutar o relato da mulher, chamou o chefe na mesma hora.
Lampião descobriu, naquele longínquo lugarejo potiguar, estar diante de uma parenta de Elias e Emiliano Novaes, da cidade de Floresta, na época conhecida como Floresta do Navio, na mesma região do Pajeú. Emiliano Novaes era comerciante, membro de uma proeminente família, tido como amigo e coiteiro de Lampião. Consta que chegou a cavalgar de arma na mão ao lado de cangaceiros[4].
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Para muitos habitantes da região, a situação na vila de Boa Esperança durante a invasão do bando só não foi mais grave devido a Dona Rosina Novaes. Pelo fato dela possuir laços familiares com pessoas que Lampião respeitava e temia em Pernambuco, fez com que o ímpeto destrutivo do chefe em relação ao lugar fosse claramente abrandado. 
Lampião era muito valente, mas era antes de tudo inteligente. Evidentemente ele percebeu que quando retornasse para Pernambuco trazendo consigo a responsabilidade por algo negativo ocorrido a Dona Rosina Novaes, a temida e glorificada capacidade vingativa da família Novaes se faria sentir contra ele e seu bando. O melhor era deixar aquela mulher em paz.
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                                                        O comerciante Augusto Nunes de Aquino
Diante da nova situação o chefe refreou os ímpetos violentos tanto dele, quanto do seu bando. Lampião chega ao ponto de se desculpar com Dona Rosina pelo ocorrido. Alegava desconhecer ser o lugar habitado por uma legítima representante do temido clã dos Novaes[5].
Desfeito o “mal entendido”, para Lampião o clima ficou mais tranquilo e ele chega a solicitar que Dona Rosina prepare algo para eles jantarem. Mais adiante, tranquilamente sentado na mesa, mais para se justificar diante dos seus atos e do seu bando, o cangaceiro comenta “o porquê de estar nesta vida” – Comenta aos presentes estar naquela vida bandida como fruto das perseguições que sofria, destilou seu ódio contra a polícia e outras razões.
Diante da esperada respeitabilidade que Lampião passou a demonstrar por Dona Rosina e seu marido Augusto Nunes de Aquino, este último assume o papel de protetor dos habitantes de Boa Esperança.
Por volta das sete e meia da noite, o chefe prepara seu bando e seguem viagem.
Cangaceiros Rezando na Igreja de Santo Antônio
Da época do ataque de Lampião a Boa Esperança, poucos são os locais que se encontram preservados atualmente.
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A primeira residência do atual município de Antônio Martins.
Um destes pontos invadidos pelos membros do bando de Lampião é uma interessante residência localizada na Rua Aureliano Saraiva, número 109. Construída em 1898, esta casa pertenceu a Justino Ferreira de Souza e na época servia como uma pousada para os viajantes que trafegavam na região. A casa se mantém original, sendo continuamente habitada e considerada a residência mais antiga e precursora da povoação de Boa Esperança.
Mário de Andrade e Luís da Câmara Cascudo no sertão, 1929
O potiguar Luís da Câmara Cascudo e o paulista Mário de Andrade em foto no sertão nordestino.
Ainda sobre este local, segundo Chagas Cristóvão, um ano e sete meses depois da passagem do bando pelo lugar, no dia 19 de fevereiro de 1929, ali chegava um carro transportando quatro homens que visitavam a região sertaneja. Entre estes estavam o folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo e o poeta e escritor paulista Mário de Andrade.
A passagem de um dos criadores do movimento modernista no Brasil pela Região Oeste Potiguar tinha como objetivo a observação dos costumes, das manifestações culturais e as características do povo do sertão nordestino. Mesmo passado quase dois anos do ataque de Lampião, chamou atenção do escritor paulista as marcas do medo da população de Boa Esperança diante da terrível “visita” de Lampião[6].
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Igreja de Santo Antônio.
Vizinho a esta antiga habitação se encontrava a igreja de Santo Antônio. Construída 1901, este pequeno templo religioso era no dia 11 de junho de 1927 o principal local de realização dos festejos relativo ao padroeiro local.
Até hoje nesta festa religiosa é tradicional a realização das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho, a data consagrada a Santo Antônio, são realizadas missas, cantos de benditos, encontros e outras participações da comunidade neste templo católico.
Segundo Chagas Cristóvão havia algumas pessoas da comunidade reunidas no local quando os cangaceiros chegaram a Boa Esperança. Logo alguns cangaceiros ficaram diante do templo e, visivelmente embriagados, proibiram a saída dos fiéis do local. De dentro da igrejinha essas pessoas assistiram horrorizados os suplícios do jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a engolir talagadas de cachaça.
Cristóvão comentou ainda que existe uma versão onde diante da igreja aberta, outros cangaceiros adentraram respeitosamente o local, se ajoelharam, rezaram, se benzeram e depois saíram sem perturbar os atônitos presentes[7]. 
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Velha casa do extinto sítio Alto da Ema, atualmente um bairro da cidade de Antônio Martins.
Na saída da zona urbana do atual município de Antônio Martins, temos a velha casa do sítio Alto da Ema, que então pertencia a um senhor conhecido como “Coqueiro” e hoje dá nome a um dos bairros da cidade. Neste ponto os comandados de Lampião procuraram adentrar residência assobradada, que se encontrava desocupado devido à fuga dos seus moradores. Eles utilizaram as coronhas dos seus fuzis na tentativa de derrubar a porta. Entretanto, fosse pela pressa em seguir adiante, ou pelo excesso de álcool, ou outra razão desconhecida, os cangaceiros não alcançaram seu intento e seguiram adiante no seu caminho de saque e terror. 
A Memória da Passagem de Lampião
Em 2007, durante a passagem dos oitenta anos do ataque de Lampião ao Rio Grande do Norte, a prefeitura local decidiu promover toda uma programação destinada a marcar este momento dentro da comunidade. Em uma bela praça de eventos localizada no centro da cidade foi fixada uma placa de bronze com a relação dos trinta e um habitantes da antiga vila de Boa Esperança que sofreram violências ao longo da passagem do bando.
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Placa comemorativa ao 80º aniversário da passagem de Lampião por Antônio Martins. Na placa de bronze estão inscritos os nomes de 31 pessoas que foram atacadas em 11 de junho de 1927.
Aos descendentes dos que foram atacados pelos cangaceiros, a Prefeitura Municipal de Antônio Martins outorgou uma insígnia honorífica, personalizada, no formato de uma pequena placa de acrílico, , alusiva aos fatos ocorridos. Esta condecoração foi entregue a alguns dos descendentes em praça pública, no dia 11 de junho de 2007.
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Insígnia entregue em 11 de junho de 2007, aos descendentes dos que estavam na povoação de Boa Esperança e sofreram com o ataque do bando de Lampião.
Igualmente nesta mesma data, passava pela cidade de Antônio Martins a cavalgada comemorativa aos 80 anos do ataque a Mossoró, onde foi repetido o mesmo ato simbólico ocorrido na zona rural de Marcelino Vieira, com o descerramento de outra placa comemorativa em relação à resistência ocorrida em Mossoró, quando da passagem do bando pelo Rio Grande do Norte.
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Placa da cavalgada dos 80 anos da resistência ao bando de Lampião em Mossoró, fixada em Antônio Martins.
Segundo Chagas Cristóvão a prefeitura de Antônio Martins desenvolveu um projeto visando a criação de um museu destinado a apresentar os principais aspectos da história municipal, onde seria inserido a história do ataque do bando de lampião aquela comunidade.
O museu estaria direcionado para um público local e regional, tendo como outros pontos focais a valorização das raízes locais e o desenvolvimento do turismo regional. Pessoalmente não tive mais informações se este museu foi inaugurado.
Mas louvo todas as iniciativas ali realizadas em relação a memória destes acontecimentos.
NOTAS

[1] Sobre este trabalho e o caminho de Lampião no Rio Grande do Norte veja – https://tokdehistoria.com.br/2015/04/11/pelos-caminhos-de-lampiao/
[2] O número da população de Boa Esperança na década de 1920 aqui apresentado é uma dedução feita a partir do texto existente sobre a história desta cidade existente no sitehttp://www.wikipédia.org(https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B4nio_Martins), onde lemos que em 1920 havia “81 casas, com 327 moradores já estavam permanentes em Antônio Martins”. Esse número mostra que houve um aumento exponencial na população local, pois vinte e dois anos antes do ataque de Lampião a Boa Esperança, temos a informação que moravam neste lugar cerca de sessenta “fogos”, ou pessoas. Informação contida na mensagem do governador potiguar Augusto Tavares de Lyra, lida na Assembleia Legislativa em 1905 e publicada no ano seguinte, em um interessante detalhamento sobre o município de Martins, Ver “Mensagens lidas perante o Congresso Legislativo do Estado do Rio Grande do Norte”. Tipografia A República. Pág. 116, Natal-RN, 1906. Atualmente, utilizando as modernas rodovias BR-226 e RN-117, a distância entre Antônio Martins e Martins é de uns 35 quilômetros.
[5] Não é muito difícil na região do Oeste Potiguar encontrar inúmeras referências de famílias cujos antepassados eram provenientes do sertão do Pajeú, ou de outras áreas do sertão Pernambuco. Acreditamos que esse processo tem haver com o trânsito de pessoas e mercadorias, que seguiam principalmente em direção a Mossoró, em comboios de cargas transportados por mulas e jegues.
[6] O resultado desta empreitada sertaneja subsidiaria Mário de Andrade a escrever a obra “O turista aprendiz”.
[7] Durante todo nosso percurso pesquisando a passagem do bando de Lampião no Rio Grande do Norte em 2010 e em três outras viagens por este caminho em 2012, 2014 e 2015, esta foi a única informação que consegui sobre a presença de que alguns cangaceiros do bando teriam adentrado um templo católico com o intuito de rezar.

Por Rostand Medeiros

sábado, 2 de abril de 2016

DANÇAS FOLCLÓRICAS EM PAU DOS FERROS



O Rio Grande do Norte, terra de Cascudo, de Deífilo Gurgel e de um folclore riquíssimo, tem, no âmbito das danças populares, grande destaque na cultura geral. Primeiro damos partida com a "famosa" Araruna, dança genuinamente norterriograndense, com traçoçs autênticos que a distancia das outras danças de roda e do côco. O Araruna existe desde 1949 quando o mestre Cornélio Campina, criador da dança, usava o quintal de sua casa para ensaios que ele mesmo organizava. Com o apoio de Djalma Maranhão e Câmara Cascudo, foi fundada a Sociedade de Danças Antigas e Semi-desaparecidas Araruna, em 24 de julho de 1956, a única do estado com sede e estatuto próprio. A dança Araruna propriamente dita é oriunda das danças aristocráticas de salão, de origem europeia, misturada com a valsa, polca, xote, mazurca e estilo popular de caráter folclórico. Os cavalheiros usam casaca e cartola e as damas, longos vestidos de saia rodada. Apresentam normalmente com 8 a 10 pares de dançarinos que executam diversos números, alguns de origem folclórica e outros não: Caranguejo, Bode, Besouro, Araruna, Camaleão Jararaca, Maria Rita, Xote Sete Rodas, Miudinho Mazurca e Maria Rendeira.

Com o falecimento do mestre Cornélio Campina, em 2008, no dia 13 de agosto, aos 99 anos, a lacuna deixada foi imensa e não preenchida até hoje. As imagens abaixo evidenciam o Mestre Cornélio Campina, bandeira do folclore potiguar.


                                                   





Descendo ou pulando para o outro lado do mapa, aqui bem pertinho de nós, em José da Penha, o Grupo de Xaxado Estrelas do Cangaço, viaja e se apresenta em festivais diversos levando nossa cultura mundo a fora, a 21ª Feira Internacional do Artesanato e o 14° Festival de Dança Folclórica do RN são exemplos de eventos que o grupo marcou presença nos últimos dias. A própria prefeitura municipal realizou, na última quarta-feira, dia 23, a Mostra de Artes e Espetáculos Populares na praça de eventos do município, na qual se apresentaram três grupos de Cablocos, numa completa festa de preservação cultural e identidade.

Andando mais um pouquinho na tromba do elefante, encontramos Major Sales, praticamente a capital do Folclore do RN, cidade destaque em todo o país, com os Cablocos e o Rei de Congo, a cidade é uma bandeira de identidade cultural e de reverência ao folclore. A cidade produz concursos de cablocos e realiza festividades anualmente, atraindo estudiosos e entusiastas culturais. Quem carrega esse legado nas costas é Francisco de Assis Silva, o Mestre Bebé, que mantém viva, junto com parcerias e com uma equipe, a tradição oriunda do século XIX na cidade. 

                                                                            Mestre Bebé

Os grupos de Cablocos e Rei do Congo do Mestre Bebé são destaques por todos os recantos. Além de concursos e certames vencidos, apresentações no Brasil inteiro são somadas no currículo. O grupo foi cogitado para abrir os jogos da Copa do Mundo de 2014 em Natal, no estádio Arena das Dunas e recentemente representou o RN no 51° Festival de Folclore, em Olímpia-SP. É de encher os olhos, bater no peito e dizer: eu tenho identidade, eu valorizo minhas raízes e minha cultura. Na foto abaixo, integrantes do grupo seguram as bandeiras do Rio Grande do Norte e do município de Major Sales, no evento no Estado de São Paulo.


E Pau dos Ferros? E Pau dos Ferros? Pau dos Ferros não têm essas manifestações culturais? Existem ou existiram danças folclóricas em nossa cidade? Quem vivencia a cidade hoje imagina que não. Que não existiu, que não existe, que não existirá. Se vê quadrilhas estilizadas com produções luxuosas que descaracterizam as tradições regionais, aqui vai um salve para o grupo do Bairro Riacho Meio, na pessoa de Mazaropi, que resistiu ao tempo e às mudanças superficiais e manteve o sertanejo e a figura do matuto vivos em sua apresentações. Se vê até cover de Michael Jackson, se vê os Street Dance da vida, e mais e mais reproduções das culturas hegemônicas. Mas e nós? E as nossas? Estão nos livros velhos, nos baús do esquecimento, roídas pelas traças da politicagem e dos desgovernos, ou talvez do seu lado, no olhar e no coração da pessoa mais simples, seu pai, sua mãe, seu tio ou seu avô.

No livro "Pau dos Ferros à sombra da oiticica", o autor alerta para a existência de danças folclóricas nos anos 40, como Pastoril, Maneiro-Pau e Reisado. O Pastoril foi liderado por se Lindolfo Noronha e Dona Cotinha, já o Reisado tinha como principal haste, seu Tomé Anastácio, no Sítio Gangorra, hoje município de Rafael Fernandes. Todavia, o grande destaque e a dança mais popular era o Maneiro-Pau, oriunda do cangaço, possivelmente nascida na região do Cariri Cearense, não só em Pau dos Ferros, mas em toda região, foi a dança e manifestação artística mais praticada em meados do séculos XX, sendo a principal marca folclórica das épocas passadas. É uma dança de roda, brincada exclusivamente por homens (isso na época), tendo como característica o uso de bastões de madeira entrechocados para acentuar a nota do canto. Há um "puxador", que precisa ter a veia poética e inventar versos e frases momentâneas para tornar a brincadeira mais dinâmica. Os que participarem da brincadeira vão entoar o coro: "maneiro-pau, maneiro-pau", ou outros coros sugeridos pelo puxador.

O Sítio Maniçoba, o Sítio Tigres, Várzea Alegre e até o CCP (Clube Centenário Pauferrense) eram palcos de exibições do maneiro-pau nas épocas passadas. -Perguntem a seus pais e a seus avós...! E é na Maniçoba, palco dos tradicionais forrós de Cicinho Queiroz, e no Sítio Poço Comprido, que o Maneiro-Pau dá seus raros suspiros, e através de pessoas como Maria Nascimento, conhecida como Bebem, e seu João Negreiros, a cultura da dança, mesmo que timidamente, se mantém viva. Bebem realiza todos os anos, em sua casa, a brincadeira do Maneiro-Pau e no ano passado, seu João Negreiros, 73 anos, figura muito conhecida em Pau dos Ferros por ter sido a vida inteira frentista do posto Segundo Melo, o Posto Esso, reuniu amigos e familiares para "jogarem" Maneiro-Pau no Sítio Poço Comprido. É uma completa reverência ao passado e ao folclore enterrado de nossa terra. O vídeo abaixo exibe a brincadeira realizada no ano de 2015 nas festividades do padroeiro do Sítio Poço Comprido, em nossa querida Pau dos Ferros.



Seu João Negreiros detalhou que chamou, junto com seu filho, as pessoas para brincar, foi sozinho à mata para cortar os bastões de violeto, essa é a madeira que produz o som característico e que dá vida à dança. Relatou ainda que antigamente era muito comum, desde o tempo dos seus 18 anos, e existiam vários lugares em que a dança era executada, com famosos puxadores como o poeta e ex-vereador aqui já biografado, João Pereira.  

Só nos resta agradecer e louvar esses abnegados que cultivam e defendem nossas raízes. Aprender com Major Sales e José da Penha e rezar, orar e invocar os deuses para que nossa cultura seja ressuscitada. Amém?! 



        Na foto acima, seu João Negreiro, responsável pela preservação da cultura do maneiro-pau em nossa cidade.


Por Manoel Cavalcante