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segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

"FELICIDADE... PASSEI NO VESTIBULAR..."


 Para onde a tecnologia, que nos traz tantas facilidades, levou o brilho de algumas coisas, hein?!


E antigamente, num passado não muito distante, lá estava toda a cidade ligada nas ondas do rádio... O rádio estrondando, em todas as alturas... Começou na Rádio Cultura do Oeste, depois era a Dumbo FM, Ismael Mendes e sua voz imperiosa, e qualquer outro funcionário da UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte) auxiliando na lista. Internet não existia, computador só na casa de quem tinha as coisas. Os telefones da rádio todos congestionados... "Mas ligue, homi, possa ser que alguém atendaa..." Ai, meu Deus! Mesmo assim, para se ligar, tinha que ir na casa de num sei quem que tivesse telefone em casa. Celular? Ninguém sabia o que era... Ou, ir ao orelhão, com um cartão telefônico de 10 unidades se acabando... Enquanto isso..., pegue Martinho da Vila no mesmo compasso o dia todinho:

"Felicidade, passei no vestibular...
mas a faculdade é particular..."

Para terminar de completar, o dolente, cadenciado e reflexivo "Coração de Estudante" de Milton Nascimento. Esse deixava a pessoa depressivazinha com cara de quem não ia passar. Ave Maria!

Lá vai a língua de num sei quem e suas respectivas literaturas, e uma tal de Maria Elisa de Albuquerque Maia quase toda hora nos meus ouvidos, que muito estudiosa, para mim, passava em todos os cursos... Sempre saía o nome dela. Menino... era bom demais!

 -Será que meu nome não vai sair hoje, meu Deus?!

De repente, uma casa explode em gritos de alegria: alguém passou. Ihhuuuuuuu!

Corre, pegaaa, joga ovo, raspa o cabelo, tira a sobrancelha...

-Foi a filha de num sei quem que passou...

-Pia, esse nome é o de coisinha...

-Cala a boca, homi, senão eu num vou ouvir o meu.

E quem nunca sonhou em ouvir seu nome na rádio com todo mundo gritando histericamente  ao mesmo tempo na sala pequena de uma casa, após a pronúncia do esperado nome?! Ali era como aguardar Pelé bater um pênalti em 70, ao som de Luiz Mendes.

Mas hoje, hoje, como diria Saramago, só é possível derramar lágrimas sobre a face de um disco rígido.

Ê vida de gado...

Por Manoel Cavalcante (que viu seu nome na lista da UFRN num apático lan house, mas ouviu os das irmãs em alto e bom som, no rádio em todas as alturas)

sábado, 16 de janeiro de 2016

MATUTO DO PÉ RACHADO



João Alves de Souza, vulgo não, porque ele não era vulgar, conhecido e bastante conhecido como João Pereira, nasceu no dia 11 de abril de 1926, no Sítio Raiz, zona rural de Pau dos Ferros. Era filho do casal Antônio Pereira da Silva e Raimunda Nonata de Souza sendo o nono filho entre 10 irmãos. Casou-se com Maria Severiano do Rêgo no dia 16 de dezembro de 1951, na Igreja Matriz de Nossa Senha da Conceição, em cerimônia celebrada pelo ainda vigário Manoel Caminha Freire. Dessa união, nasceram 5 filhos, 3 homens e 2 mulheres. Trabalhou na roça, foi pedreiro, estudou por poucos dias, mas foi o suficiente para ser alfabetizado. 

Foi um dos fundadores do sindicato dos trabalhadores rurais de Pau dos Ferros, entidade da qual também foi presidente. Ingressou na vida política e obteve grande êxito. Foi um dos fundadores, em Pau dos Ferros, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), hoje o PMDB e atuou por 4 mandatos como vereador de nossa cidade (66 a 72 , 72 a 76 , 88 a 92 , 92 a 96) tendo a oportunidade de atuar como presidente da câmara. Na foto abaixo, ele está assinando sua posse em 1992.



E seu João Pereira é enfim... POETA! É. Porque um poeta não morre. Um poeta nato, puro, de inspiração rara e simples. O famoso autor do poema "matuto do pé rachado". Essa era a alcunha preferida dele, a de Poeta, a de matuto. Em toda história política de nossa cidade, talvez tenha sido o único candidato a fazer discurso rimado no palanque, assim como fazia o genial Ronaldo Cunha Lima no Estado da Paraíba. Seu João ainda foi cantador de viola, cantou muito com Mundico de Zé Alves, mas deixou a viola por não saber tocá-la e por não possuir uma voz privilegiada.

A poesia que dá nome a essa postagem, é o seu emblema, conhecida em todos os recantos de nosso lugar... Sua origem veio de uma crítica que um candidato de sua época, fez a uns eleitores que disseram quando esse foi pedir o voto naquela residência: "Aqui em casa, todo mundo vota em seu João Pereira!" O candidato se achando o tal por ser "formado" disse: "Quer dizer que vocês vão votar num matuto do pé rachado?!" Foi o que seu João Pereira quis para escrever a obra que contava sua história, um poema em texto único com mais de 100 rimas no "ado" sem repetir nenhuma palavra. 

No belíssimo poema, revela as dificuldades que a vida lhe impôs:

"...Nasci em uma tapera
feita de barro amassado
num jirau feito de varas
com palha seca forrado
minha mãe uma doméstica
daqule tempo passado
que além de cuidar de casa
trabalhava no roçado
meu pai era um camponês
que trabalhava alugado..."

"Trabalhando com meu pai
foi assim que fui criado
limpando terra e plantando
fazendo todo o traçado..."

"...Quando eu tinha oito anos
o meu pai foi sepultado
eu fiquei órfão de pai
fiquei desorientado
minha mãe ficou viúva
com cinco filhos de um lado
fui arrimo de família
mas dei conta do recado..."

Fala sobre suas profissões:

"Bom no cabo da enxada
Bom na foice e no machado
Fui amansador de burro
corria e pegava gado
trabalhava de pedreiro
fui um pedreiro aprovado..."

"... Nasci com dom de poeta
cantei verso improvisado
porém deixei de cantar
por ser meio desafinao..."

"...Ingressei na vida pública
Pelo povo convocado
vereador quatro vezes
e todas fui bem votado
nunca perdi eleição
nunca ganhei apertado
se não fiquei em primeiro
sempre ficava encostado..."

Alguns gracejos como:

"...Nem sou rico nem sou pobre
vivo nesse misturado
mas na minha adolescência
eu fui um pobre lascado
meu transporte era um jumento
em que eu andava montado
depois uma bicicleta
que tinha um guidom quebrado
mas andava satisfeito
nunca fui desanimado..."

"... Gosto de mulher bonita
mas isso não é pecado..."

E fala da gênese do poema:

"...Quem mais criticou de mim
foi um bacharel formado
eu ganhei a eleição
e ele foi derrotado"

Pereira era um grande apologista de cantoria, conhecido no meio e irmão do grande Pereirinha, grande promovente de cantoria de nossa cidade. 

Também versou sobre a morte no alto dos seus 85 anos quando disse:

"Eu nunca gostei da morte
que a morte é um cabra ruim
levou papai muito cedo
pegou mamãe deu um fim
já carregou minha esposa
e anda feito uma raposa
farejando atrás de mim..."

De outra feita, estava uma turma comendo um pirão de peixe na beira de um açude e Juvenal Pereira, sobrinho de seu João, pediu que o poeta fizesse uma estrofe sobre o mote:

QUEM NÃO COME UM PIRÃO NUM BEIÇO DÁGUA
NÃO CONHECE O QUE É VIDA SERTANEJA

E o "matuto do pé-rachado" atendeu o pedido:

Não pretendo ser chefe de autarquia
Nem também ser gerente do Bradesco
Eu pretendo é comer um peixe fresco
Bem no beiço da água quando é fria
Bota o caldo e a farinha na vazia
E o peixe cozido na bandeja
Com cachaça eu não quero ver cerveja
Só assim eu afogo a minha mágoa
QUEM NÃO COME UM PIRÃO NUM BEIÇO DÁGUA
NÃO CONHECE O QUE É VIDA SERTANEJA.

O encantamento do poeta matuto deu-se no dia 12 de dezembro de 2015, aqui mesmo em nossa cidade, onde também foi sepultado. Deixou uma grande lição vida e de superação.

Viva nosso poeta!

"...Amo a Deus e o trabalho
e o resto é papo furado
uns me xingam outros me amam
e adoro quando me chamam
MATUTO DO PÉ RACHADO"

João Pereira, como presidente da câmara, dando posse ao prefeito eleito Aliatá Chaves, nosso Baiba, em 1992.


Por Manoel Cavalcante






sábado, 9 de janeiro de 2016

A HISTÓRIA DO TÍTULO DO MATUTÃO DE 1971, PELO CLUBE CENTENÁRIO PAUFERRENSE


                                        


Título do Matutão

Pra quem não sabe o sentido
Do nosso estádio altaneiro
Ter o nome singlar,
Sendo “9 de Janeiro”
É fazendo uma alusão
Ao título do “Matutão”
Por nosso time guerreiro.

Era nosso grande Clube
Centenário Pauferrense,
O famoso CCP
Que a nossa história pertence,
Deixando estabelecido
Que quando se está unido
Qualquer batalha se vence.

Matutão foi um certame,
Um famoso campeonato,
Disputado pelos campos
Nas cidades e no mato
Reunindo as principais
Seleções municipais
Sem bla-bla-bla nem boato.

O Centenário ficou,
Acuado qual tatu,
Num grupo ruim feito leite
De pele de cururu,
Porém não ficou no quase
Deixou na primeira fase
Almino Afonso e Patu.

Contra Patu, dois empates:
Um a um e dois a dois,
Porém contra Almino Afonso,
Nós vencemos sem complôs:
Um a zero e dois a um
Sem querer fazer jejum
Do que viria depois.

Na fase de mata-mata
Confesso de forma franca
Que ainda teve gente
Que pensou em botar banca
E o CCP, sem ser fraco,
Pôs dois a zero no saco
Do time de Areia Branca.

Depois sem muito trabalho,
Nós goleamos sem dó
O timão mais badalado
Das terras do Seridó
E para ser mais sincero
Sapecamos cinco a zero
No lombo de Caicó.

Aí chegou a final
Com grande expectativa.
De Pau dos Ferros saiu
A equipe competitiva
Para o jogão esperado
Almejando o resultado
De maneira positiva.

O time de Macaíba
Era o nosso adversário,
O Juvenal Lamartine
Em Natal foi o cenário
Sem mídia nem entrevista
Da grandiosa conquista
Que tentava o Centenário.

Dia 9 de Janeiro
Do ano de 72
Aconteceu o jogão,
E sem dizer nem apois,
Nosso time CCP,
Ganhou e fez fuzuê
Pela cidade depois.

Foi 72 o ano
Que aconteceu a final,
Mas ela foi referente
Ao torneio estadual
Que houve em 71,
Tenho a certeza incomum
De forma documental.

Salvino foi o goleiro
E na zaga, pra impedir
Os ataques foi Manel
Do Dnoc’s e Aldemir,
E pra fechar a janela
Butiginha com Varela
Jogavam sem se exibir.
  
Toinho de Sula era
Nosso lateral direito
De Assis era o esquerdo
Dando um balanço perfeito,
Pois ambos não se cansavam,
Defendiam e apoiavam
Correndo de todo jeito.

Chiquinho, ponteira esquerda
Na técnica perfeita
Dava show junto a Derval
Que era o ponteira direita
E pelo meio, sem perda,
Bobô era meia esquerda
Deixando a orquestra feita.

De todos os jogadores
Cada qual foi importante,
Mas os ponteiras e o meia
Tinham papel relevante
Pois detinham a função
De só meterem bolão
A Edílson, o centro-avante.

Os reservas começando
Pelo nome do goleiro,
Nós tínhamos pelo banco
O arqueiro José Monteiro
E Chico de Umarizal
Nunca que levava a mal
Ser reserva o tempo inteiro.

Dedé Bobó, Geraldinho,
Chico da Bomba e Bambão,
Também ficavam no banco
Junto a Cosmo, porém não
Viam a necessidade
De cheios de vaidade
Fazerem reclamação.

Jácio, vindo de Natal,
Do time foi treinador
Armando como um xadrez
Cada peça com primor,
Adquirindo o respeito
Tratando do mesmo jeito
Jogador por jogador.
  
Sobre a história do jogo,
Primeiro o bicho pegou,
Pois chutaram uma bola,
Nosso Salvino espalmou,
Mas chutaram novamente
E Manel, infelizmente,
Com a mão tirou o gol.

O pênalti foi marcado
Pelo juiz num impulso,
Porém Manoel do Dnoc’s
Mesmo com seu ato avulso
Não foi nem penalizado,
Porque isso, no passado,
Não fazia ser expulso.

O cabra só era expulso
Se fosse um grande alvoroço,
Numa falta violenta,
Na quebrada de um pescoço,
Numa voadora rara,
Num tabefe numa cara,
Numa torada de osso.

Mas voltando para o pênalti,
O cabra fez logo o gol,
Bateu fazendo um a zero,
Porém mal comemorou,
Mal se contentou por dentro,
Pois quando bateu o centro
O Centenário empatou.

O empate também foi num
Pênalti sem discutir
Que foi sofrido e batido
Pelo zagueiro Aldemir,
Mas o gol mais desejado,
O momento mais louvado
Estava logo por vir.

Porque com o jogo empatado,
A partida pegou fogo
E eu confesso sem mentir,
Sem querer ser demagogo,
Que sem precisar rodeio
Chiquinho, sem aperreio,
Num instante virou o jogo.

Com a partida em dois a um,
Já perto de seu final,
O Centenário ficou
De maneira imperial
Tocando a bola e pensando
Naquele momento quando
Vinha o apito triunfal.

Quando o juiz apitou
Foi enorme a emoção,
Em Natal mesmo ficaram
Para comemoração,
Pois Paulo Diógenes fez
Um banquete de uma vez
Para o time campeão.

Porém, antes de ir à festa
Feita pelo deputado
O time inteirinho foi
Andando, mesmo cansado,
Para uma igreja sem pressa
Pra pagar uma promessa
Pelo êxito alcançado.

No outro dia saíram
Num ônibus equipado
Em busca de Pau dos Ferros
Sem saber que o povo honrado
Esperava, na verdade,
Já na entrada da cidade
Na fazenda Boi Comprado.

Quando os campões chegaram
Foi um alvoroço incerto...
Desfilaram na cidade
Em festa num carro aberto
E quem diz sem temer sorte
Que aquela foi, do esporte,
A maior a festa, está certo.

Lá no centro da cidade
Tinha um palanque montado
Repleto de autoridades
E o time homenageado
Pela banda marcial
Ali naquele local
Por populares lotado.

Realmente foi um marco
Que ficou na nossa história
Não foi apenas um título
Não apenas uma glória
Foi lição de amor perfeito
Àquele escudo do peito
Dando mais brilho à vitória.

Trecho do livro "Pau dos Ferros à sombra da oiticica".

Por Manoel Cavalcante