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sábado, 26 de dezembro de 2020

JUSTINO - O ANJO NEGRO DO ESPORTE PAUFERRENSE



Antes de qualquer coisa, é preciso dizer que escrever sobre Justino é um compromisso não só com Pau dos Ferros, é um compromisso comigo mesmo. Ele é patrimônio, acima de tudo, da minha infância, da minha história. 

Justino Basílio Mota nasceu no dia 15 de março de mil novecentos e vocês pensaram que eu iria dizer a idade do velho Basílio nera?! Filho de Dona Bacurau e seu João Lugero, de uma prole de 12 filhos, o grande Justino vem de uma família de negros -  A Família Mota- que foram os precursores, os primeiros habitantes do bairro Dom Bosco. Desde quando era o Alto da Laranjeira, depois Alto do Ipiranga e hoje Dom Bosco. Foram seus ancestrais que ajudaram a construir o bairro e hoje possuem raízes, ramos e frutos espalhados por toda a cidade e região. Trabalhou em várias atividades para sobreviver, como de oleiro nas terras do meu avô, juntamente com seus irmãos, tios e primos, dizia meu avô que Zé Coca (tio de Justino) fora o melhor oleiro que ele já tinha visto na face da terra. Morou em São Paulo na década de 80 por pouco mais de um ano, mas teve no esporte, viu no esporte a sua chama de vida, a coisa que ele teve mais prazer em fazer.  

O MARCO INICIAL

Justino considera o marco inicial em sua história no esporte na data de seu aniversário de 1972. Isso mesmo, em 15 de março de 1972, nosso Justino fundava o Esporte Clube Baraúnas Pauferrense, como jogador e como técnico, feito que está próximo dos 50 anos de existência. No início, nosso Anjo Negro trabalhava mais com jovens e com adultos, no entanto, da década de 90 pra frente ele passou a fazer um trabalho esportivo e formativo mais com crianças e hoje a maioria de seus atletas são crianças e adolescentes.


O nome de seu clube foi em homenagem ao Baraúnas de Mossoró que viera jogar um amistoso em 1972 aqui na cidade de Pau dos Ferros vencendo o CCP (Clube Centenário Pauferrense), então campeão do Matutão, por um tento a zero. Justino se encantou com aquela equipe e decidiu homenagear.

O APELIDO DE ALBERI

Alberi foi um jogador do futebol potiguar, ídolo do ABC de Natal, que ficou conhecido por ter aplicado dois lençóis em Pelé, em uma partida válida pelo campeonato brasileiro de 1972, no antigo estádio Castelão, em Natal-RN. Reza a lenda que, quando Justino morou em SP, um dia desceu para a cidade de Santos e foi chamado para completar o treino do Santos. Neste, Justino teria aplicado dois chapéus no Rei do Futebol, aí começaram a dizer: esse é o novo Alberi. O apelido pegou e quem conhece Juju, desde sempre ouviu alguém lhe chamar de Alberi, apelido que ele se orgulha. Abaixo um retrato de Pelé e o ídolo do ABC, o Alberi de lá das bandas de Natal.



TÍTULOS

Em quase seus 50 anos de esporte, Justino acumula mais de duzentos títulos na carreira, nas modalidades de futsal e futebol de campo. Campeão de vários torneios municipais, campeão de torneios da Liga Pauferrense de Futsal, de campeonatos regionais e muitos outros, em Pau dos Ferros e em toda região.

Em pé: Chico de Bacurau, Valdinei, Devânio, Weber, Justino e Joe.
Agachados: Marcelo, Netinho, Binho, Caio e Darlan.

A equipe acima foi campeã do Campeonato da Liga Pauferrense de Futsal de 1995, um time que encantou dentro de quadra vencendo grandes favoritos da época, que trazia jogadores de toda os lugares possíveis. Nosso Alberi se destacava na montagem de suas equipes por formar times imbatíveis apenas com jogadores do bairro, ao menos a base. Assim foi o Dom Bosco, campeão pauferrense de futsal em 1995. Devânio foi considerado o melhor jogador daquela competição e ganhou uma bicicleta como prêmio. Binho e Devânio tiveram passagens pela Sociedade Esportiva Pauferrense. Devânio chegou a jogar em equipes como o Sousa da Paraíba.

Atualmente, nos campeonatos municipais de futebol, promovidos pela prefeitura, o Baraúnas Pauferrense é um verdadeiro papa-títulos, no ano de 2019, Justino venceu três categorias, mirim, infantil e juvenil, sua equipe na categoria adulta perdeu nas semi-finais. Chega a casa fica pequena para tantos troféus. Abaixo, Justino exibe dois dos troféus dos títulos de 2019, esse ano ele só não ganhou por conta da Pandemia, mas o time já voltou a treinar e está em ponto de bala para retornar a trajetória vencedora.


Em um de seus títulos mais importantes, ele relata um campeonato municipal da década de 90, em que venceu o expressinho da Pauferrense em pleno estádio 9 de Janeiro por 1x0, surpreendendo a todos e saindo com o título. Na época, a Pauferrense gozava de toda estrutura de treinamento, material esportivo, plantel de jogadores e comodidade total. A equipe do grande Alberi foi lá e venceu contra tudo e contra todos mais uma vez.


AS DIFICULDADES

Trabalhar com jovens não é fácil, ter uma carreira de quase 50 anos dedicados ao esporte não é brincadeira. Justino relata as dificuldades com transporte e com locais para treinar suas equipes. Hoje, ele possui 3 horários na quadra do São Benedito, treina seus atletas três vezes por semana, mas isso no futsal. No futebol de campo, por exemplo, o Baraúnas não dispõe de local para treinar e suas equipes ficam órfãs de estrutura. Eu mesmo já fui jogar na cidade de Rodolfo Fernandes em cima de uma rural e vencemos de 16 a 3 o time da cidade anfitriã. Só jogadores do bairro: Alan Raulino, Avelino Filho, João Paulo, Jorge e eu. Foi um baile. 

Justino conta que já viajou de Pau dos Ferros até a Paraíba em cima de uma caçamba, sim, imagine aí vocês, em cima de uma caçamba, com charanga e tudo, por três vezes, para a cidade Sousa-PB. Venceram os três jogos. Hoje, os transportes são as vans, modernas e bem equipadas, mas quem vai pagar? Implorando, pedindo a um e a outro ele arrecada o dinheiro e sai com seus atletas para defender nossas cidade e as cores do Baraúnas região a dentro. Sertões a dentro.

A CARREIRA POLÍTICA

Justino se candidatou a vereador em Pau dos Ferros em dois pleitos, em 1996 e em 2000. Ambas as vezes pelo PMDB. Em 1996, o velho Basílio conseguiu 195 votos e ficou como suplente do PMDB, hoje MDB. No ano 2000, Alberi obteve 145 sufrágios, também ficando na suplência do mesmo partido. Na foto abaixo, temos o santinho da campanha de 1996.


A CARREIRA COMO ARTISTA

Como se não bastasse todo esse patrimônio no esporte, na política, Justino também é compositor e cantor. Participou por várias vezes do show de calouros da festa do Dom Bosco, padroeiro da comunidade e se destacava. Alberi fazia diferente, cantava composições próprias, era um show de lirismo e simplicidade em suas apresentações e composições. Atualmente, em seu perfil no instagran, ele faz laives cantando e dá um palhinha para seus fãs.


HOMENAGENS

Durante esse tempo todo, esse legado, Justino fora homenageado poucas vezes pelo tanto que merece, sobretudo pelo poder público. No entanto, no sábado passado, a associação de desportistas do Riacho do Meio lhe prestou uma homenagem colocando o nome da taça de sua competição: Taça Justino Basílio Mota. Lá, quando entrevistado, Justino declarou: "Se eu viver 100 anos, vão ser 100 anos para o esporte".




SEU LEGADO

Justino estima ter trabalhado com mais de 1000 atletas, ter vencido mais de 200 competições, em Pau dos Ferros, na Região e nos Estados vizinhos da Paraíba e do Ceará. Já formou atletas com passagens por times profissionais e muitos cidadãos de bem. Hoje continua com seu bolsa com coletes, sua sacola de bolas nas costas e faz seu trabalho formativo com muitas dificuldades. Já se passaram quase 50 anos de sua trajetória, os problemas são os mesmos, com transporte, com material, com estrutura. Seu legado é vivo, é palpável, é algo que faz parte da história de Pau dos Ferros, são poucos os meninos que jogaram bola aqui em nossa cidade que não passaram pelo time de Justino. São poucos, eu mesmo já passei. Entra gestão e sai gestão, prefeitos e prefeitos e o trabalho de décadas, de eras, do velho Alberi não é reconhecido, não é avalizado, não é apoiado pelo poder público, sorrisos políticos e tapinhas nas costas não valem, ele também não quer dinheiro, seu trabalho é voluntário, ele quer dignidade, ele merece isso. Transporte para seus atletas disputarem as competições, material esportivo para treinar, quadras e campos de futsal e futebol disponíveis em bom estado para que suas equipes possam realizar as atividades com qualidade. Justino permanece a mesma pessoa, simples, humilde e pronto para caminhar pela cidade em busca de patrocínio em nome de seu amor pelo esporte e por sua cidade. História maior de abnegação não há e não é essa matéria que irá contar, isso foi apenas uma preliminar de tudo que ele já fez e vai fazer pelo esporte e Pau dos Ferros. Seu nome já é nome de taças e de homenagens, mas seu nome e sua história precisam de respeito e dignidade a contento, antes que seja tarde. Viva Alberi! Viva Justino! Salve o grande Basílio! Viva O ANJO NEGRO DO ESPORTE DE PAU DOS FERROS.




Por Manoel Cavalcante
Ex atleta, fã e prova viva da história de Justino.











 

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O CASARÃO DE ELÍSIO MAIA: memórias de Vicente de Paula Fernandes


    Há histórias pau-ferrenses que são tão verdadeiras e poéticas que o encanto da narrativa é o silêncio. Mas o silêncio é a voz da evidência de bonitas memórias que, apresentadas, ecoam no tempo, fazendo da materialidade do texto a eternização do momento.
    Sem sombra de dúvidas um dos mais bonitos casarões que Pau dos Ferros já teve foi o do Senhor Elísio Maia. Grande, imponente e em estilo arquitetônico inglês, o Casarão de Elísio Maia, assim como era conhecido, já foi palco de diversas tramas da vida social pau-ferrense.
    No Casarão de Elísio Maia, depois de ser residência de outras pessoas, como de Doutor Expedito Ferreira, funcionaram o Clik Bar (administrado por Ivanalda Oliveira, depois por Itaécia e Aparecida) e o Núcleo Regional de Educação, sob administração da Professora Maria Rêgo.
    No entanto, silencio por um momento as histórias dos antigos donos, estabelecimentos e instituições para contar, com autorização, obviamente, uma memória que muito me comoveu. Por meio da voz de Vicente de Paula Fernandes, conhecido popularmente por Paulinho, ouvi uma história que jamais sairá de minha recordação pau-ferrense [há recortes]: “Desde criança eu tenho uma admiração e paixão pela Avenida Getúlio Vargas, pelos casarões e, em especial, pelo Casarão de Elísio Maia, onde hoje é o prédio da Pizzaria e Restaurante Água na Boca. Meus pais moravam em casa simples, então, tudo era para mim, quando eu transitava pela avenida, uma verdadeira narrativa poética de beleza arquitetônica. Um dia eu passei em frente ao casarão, junto aos meus pais, e disse à minha mãe: - Mãe, esta casa ainda vai ser minha! Na época, meu pai disse para eu parar de conversar besteira.
    A vida seguiu... Fui morar em Natal, mas sempre guardando na memória o casarão de meus sonhos. De volta para Pau dos Ferros, tive a oportunidade de conhecer o casarão, pela primeira vez, internamente. Na época, funcionava lá o Núcleo Regional de Educação (NURE). Quando entrei no casarão, pelas largas portas e observando as grandes janelas, eu senti que estava em outro mundo, olhava tudo muito detalhadamente e, obviamente, com muita emoção. Nas paredes havia, assim, não sei dizer bem o que eram, mas pareciam ‘gomos’, feitos a mãos, decorando todo o entorno do prédio.
    O tempo passou, comecei a trabalhar no estado e administrava a pizzaria. Eu tinha um dinheiro guardado para investir, mas não estava em meus planos comprar o casarão, pois eu achava que, financeiramente, não seria possível. Então, em um certo dia, Zefinha Paiva, Advogada, amiga minha, chegou e me disse: - Paulinho, tem um prédio que está à venda e é perfeito para você alocar a pizzaria. Eu disse: - Qual prédio? Ela me respondeu: - O prédio de Arinaldo Maia, onde era o Casarão de Elísio Maia. No momento, eu comecei a me tremer e a chorar. Pedi a minha amiga para auxiliar essa aquisição, pois era a concretização de um sonho.
    Comprei o casarão: parte com o dinheiro que eu tinha guardado e o restante financiado pela Caixa Econômica Federal. Deu certo! Primeiro, pensei em reestruturar o prédio, pois a estrutura básica estava danificada. Contratei uma arquiteta, Márcia Rejane, de Mossoró. Apresentei minha proposta para ela, e ela me disse: - O casarão é em estilo inglês, inclusive um dos mais bonitos que conheço. No entanto, vai lhe custar muito dinheiro para realizar a conservação e preservação, mas vale a pena. Eu disse: Não tem problema, eu tenho coragem e vontade de trabalhar para conseguir pagar as despesas. Quero a estrutura externa original!
    A conservação e preservação começaram. O primeiro desafio foi perceber que não havia nenhuma estrutura em ferro que sustentasse o prédio. Então, precisava fazer colunas: ao todo são 16. Precisava cavar aos poucos, uma coluna de cada vez, assim como orientou a arquiteta e o engenheiro..., mas, infelizmente, o pedreiro não entendeu a proposta e cavou todas as colunas de uma vez. Infelizmente, o prédio desmoronou. O pedreiro ficou soterrado, mas sobreviveu, ele ficou somente com alguns arranhões (dei toda assistência necessária a ele, claro). Eu fiquei triste, meu coração, assim como o casarão, também desmoronou”.
(Vicente de Paula Fernandes)
    A história que constitui memória de nossa Pau dos Ferros é encantadora não só pela narrativa, mas pelo zelo, respeito e amor que Paulinho tem pela memória material da cidade. O Casarão de Elísio Maia era um ícone arquitetônico da cidade e, sem sombra de dúvidas, se hoje ainda estivesse ‘de pé’, seria símbolo identitário de uma década cultural pau-ferrense repleta de arquitetura, arquitetura como bem simbólico cultural, como defende Pierre Bourdieu, uma vez que as casas refletiam a identidade de seus moradores e constituíam a poesia ornamental das ruas.

Por Victor Mendes
Foto: Toinho Dutra