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sábado, 26 de dezembro de 2015

VISITA DO PRESIDENTE A PAU DOS FERROS


O Perímetro Irrigado foi um programa de irrigação criado pelo governo federal, sob o comando do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra a Seca). Localiza-se a 9km da sede do município de Pau dos Ferros-RN e a 2km do açude do município. Foi fundado em 1977, embora suas obras tenham sido iniciadas em 1973. (Foto acima mostra  os colonos que primeiro habitaram o Perímetro junto aos dirigentes do DNOCS).

Justamente nesse Perímetro, Pau dos Ferros teve a honra de receber um Presidente da República, que na época, era José Sarney. A visita ocorreu em 28 de outubro de 1987, o governador do estado do Rio Grande do Norte era Geraldo Melo e o prefeito de nossa cidade era José Fernandes de Melo. A visita consistia no acompanhamento das obras do Perímetro Irrigado, assim como ocorreu em outros estados do nordeste.

Na Biblioteca da Presidência da República, está disponível o discurso do presidente, por escrito, contendo 6 laudas, proferido na visita a nossa terra. Abaixo, o trecho final do discurso:


-Se eu pudesse, eu, político que gosta do povo, que sempre fui político popular, ao lado do povo, eu mergulharia, aí, no meio de vocês, brasileiras e brasileiros, para abraçar cada um, apertar a mão de cada um, como quis fazê-lo há pouco, lá na Paraíba, para dizer-lhes muito obrigado.

-Mas, não podendo fazê-lo, eu aqui, nestas palavras, entrego a todos vocês o coração do Presidente do Nordeste da Irrigação, que foi o primeiro Presidente a vir a Pau dos Ferros, e que não seja o último a ver o verde nascer no meio da seca mais desoladora da região.

Por nossas terras, as lideranças políticas e o presidente chegaram de helicóptero e foi grande o alvoroço para presenciar a vinda do presidente, muita correria, que depois viraria motivo de algazarra pela tradição oral, motivo de muitas brincadeiras, como disse um certo poeta:

Dizem quem quando chegou
o helicóptero a descer,
o povo se agoniou,
sem saber o que fazer
naquele mar de poeira
todos fizeram carreira
pensando que iam morrer.

Abaixo, o link do documento que reproduz o discurso do chefe maior de nosso país em 1987:

http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ex-presidentes/jose-sarney/discursos/1987/94.pdf


Por Manoel Cavalcante

Créditos à pedagoga Hortência Pessoa.



sábado, 19 de dezembro de 2015

O BARDO



José Alcigério Batista é natural de São Miguel-RN, nasceu no dia 13 de setembro de 1955. Filho de seu Alcides Batista e Dona Josélea, tem nove irmãos: 4 homens e 5 mulheres. Casou com Francisca Leite Batista, Dona Chica, -ache caro e ruim quem quiser-. Neste laço, gerou dois filhos varões. Morou em São Paulo, Brasília, Natal, Campos do Jordão, Fortaleza, Mossoró, se formou no ano de 1984 em Letras Inglês pela antiga FURN e se pós graduou em Linguagem pela UNP. Em São Paulo, no ano de 1978, foi gerente de uma loja de tecidos no Brás, em 1977, viveu ganhando alguns trocados como cuidador de um deficiente visual. É funcionário público do estado, professor de língua inglesa. Recebeu o título de cidadão pauferrense em 09 de dezembro de 2011. 


Afora tudo isso ou consoante a, eu falo de um espírito de luz chamado Léo Batista, o Bardo, o Xamã Aventureiro, o Falcão Ligeiro. Léo é o poeta das melodias, é o dono da curva das palavras, é o irmão dos sons. Pousou em nossas terras, se firmou, construiu seu clã e nos deu de presente uma obra sobre-humana e surreal. Quem nas vielas de Pau dos Ferros nunca ouviu falar no SERTÃO DE METAL, uma visão futurista, composta em meados dos anos 70, que retrata justamente a realidade que vivenciamos hoje? Os tempos do sabiá de metal mal polido... Nos anos 80 e 90, depois dos folguedos da sorveteria de Sales Correia, Leo e Círio (seu companheiro inseparável) derramaram suas liras na Praça do Pavilhão e construíam seus nomes na cultura de nossa cidade. Gravaram juntos em 1995, o disco que leva o nome dessa composição mais famosa "o sertão de metal", LP que roda nas radiolas do mundo todo e até hoje faz sucesso por todos os recantos do planeta.


Léo é místico, doce, humano e sobretudo, alma, um homem de alma, um humano interior, de fé. Além do Sertão de Metal, oração de nossas terras, Léo possui uma obra imensa e ainda inédita, privilegiados aqueles que chegaram a ouvir, numa esquina, num encontro etílico, o verbo em melodia de nosso Falcão Ligeiro. 





Como uma espécie de irmão, filho e fã de toda a sua obra, eu tenho esse privilégio de conhecer seu mundo além do Sertão de Metal, dois pontos:

Escrava de ouro, Musa linda, Cidade, Margaridas da favela, Passos de um peregrino, Passarinho de estrada, Pseudo-cidadão, Terra sem males, Pimpolho, Caminha e tantas outras que não chegaram aos ouvidos da massa, dos jovens, que é de embriagar e revoltar ao mesmo tempo, diante de tanta beleza virgem e não conhecida.     

A obra do Xamã Aventureiro não tem idade, é telúrica, é espiritual, é naturalista, um tratado de conduta humana, um templo sagrado. O que dizer da mística ATMA-LUZ, Da melodiosa e dolente VELHICE PRECOCE? Do bucólico POR FAVOR, SEU CAPITÃO? Das cômicas ASSOMBRAÇÕES ESPACIAIS? Eita, velho bardo, nós somos felizardos por sermos devotos de sua carga poética. E seu legado ecológico nas canções? Que as energias façam com que isso tudo ganhe forma de gás e esteja ao alcance da respiração de todos.

Você seria mil livros, mil postagens, por enquanto, ficaremos com essa amostra de sua passagem poética permanente, de seus trabalhos intensos. Avante mestre, chapéu na cuca, barba anarquista e revolucionária e verso na voz...

"Há de existir um lugar onde o tempo para para ver o jegue relinchar, onde o mundo é de todos nós..."

Na foto abaixo, Léo está sob os olhos de Ariano Suassuna na sua visita em nossa cidade, no ano de 2012:



Por Manoel Cavalcante

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

O MODERNISMO DE 1930, ZÉ LINS E PAU DOS FERROS



O século XX traz para a cultura ocidental um novo modo de viver e de pensar. A arte não permanece alheia a isso, haja vista a chegada do pensamento modernista. Como bem nos lembra o estudioso João Luiz Lafetá, o Modernismo nos traz pelo menos dois projetos: um estético, outro ideológico. O projeto estético, mais ligado à chamada “fase heróica” de 1922 e o ideológico ao Modernismo regionalista de 1930. Um referente à linguagem, outro às mazelas sociais do Brasil daquele tempo.

Todavia, é importante ressaltar que esses dois projetos devem ser vistos de forma dialética e não dicotômica. Os dois se completam para dar voz à riqueza da criação de nossa arte moderna. Portanto, ainda que com diferenças significantes, o Modernismo de 1930 traz marcas e percorre caminhos abertos pela primeira fase. Isto é, os aspectos do Modernismo da primeira fase que enriquece o de 1930 estão ligados ao rompimento com a linguagem arcaica, inflexível, tradicional e acadêmica que amarrava a literatura à erudição. José Lins do Rego, por exemplo, seria fortemente influenciado pela linguagem popular dos cantadores de viola, das velhas contadoras de estórias e dos cordelistas de seu tempo. Certa vez, quando questionado por que não escrevia a continuação do romance Pedra Bonita, Zé Lins responde que precisaria tornar a ler o poeta popular João Martins de Athayde para que realizasse tal feito.

Em 1953, José Lins do Rego nos presenteia com a tal continuação de Pedra Bonita, seu último romance: Cangaceiros. Era a continuidade da história da família Vieira, contada pelo jovem Antônio Bento, que perde dois de seus irmãos para o cangaço, sendo que um deles, Aparício, se torna chefe do bando, feito que aproxima Bento do bando de cangaceiros através de serviços prestados, como troca de informações, transporte de munição e até tratamento aos cabras baleados.

É justamente nessa preciosa obra do Modernismo de 30 que uma curiosa cena se passa em nossa Princesinha do Oeste, Pau dos Ferros, quando uma lavadeira de roupa conta a seguinte estória:

- Aparício chegou em Pau dos Ferros e estava na casa do prefeito, todo grande, como dono de tudo. Os cabras comiam e bebiam pelas bodegas. Pois não é que um sujeito botou-se para Aparício querendo matar o homem? Aí, menina, a coisa pegou fogo. A briga nem demorou um minuto. Aparício pulou para a rua com o sujeito e o bicho ficou estendido na calçada. Aí ele gritou para os cabras: “Vamos dar uma lição nesta cambada.” E deram mesmo. Não ficou nem uma donzela em Pau dos Ferros, comeram até uma menina de nove anos.
[...]
Dizem que Aparício pegou a mulhé do homem da mesa de renda, um tal de Feliciano, e mandou os cabras se servir da pobre, um por um. Pau dos Ferros não tem mais honra e o povo fugiu de lá. Até a feira não dá mais. (REGO, 2010, p. 48).

É importante ressaltar que essa pequena narrativa trata-se de uma obra ficcional e não possui nenhum comprometimento histórico, tais letras devem ser lidas como arte e entendidas como um privilégio, ainda que através de uma representação tão trágica.

O trecho acima, ainda que de ficção, nos permite recriar um retrato da organização social da Pau dos Ferros de Zé Lins. Iniciamos pela própria organização política, que já conta com um prefeito, cargo conferido ao chefe do executivo de uma cidade, e ainda a presença de uma “mesa de rendas”, órgão do governo que seria correspondente às agências da Receita Federal. Entretanto, apesar de ser um meio urbano, a cidade ainda possui traços rurais, como as bodegas. Dessa maneira, a cidade, como outras inseridas nesse contexto, vivia a transição lenta do rural para o urbano, conforme ocorria no século XX por essas terras de cá.

Algo que também merece destaque é o sentimento de honra que é ferido por um ato de violência. No contexto do sertão nordestino, sobretudo até o século passado, sofrer uma ação violenta é correr o risco de ser desonrado. Caso o que padece não vingue o ato, este perde a sua honra e abre margem para que seja acometido de nova agressão. Por isso a vingança é extremamente forte nesse espaço, pois é um meio de manter a honra e de impor respeito. Como o povo não pôde com o poder do autoritário rifle de Aparício, restou a desonra. As pessoas fugiram com o trauma e a vergonha da violência e até mesmo a feira, símbolo de Pau dos Ferros fora da ficção, entra em decadência.

Não há dúvidas da relevância do Modernismo de 1930 para o Nordeste brasileiro, sobretudo para o seu semiárido. Pois, através dele, a arte deixa de ser centralizada apenas no centro-sul do país e avança às regiões tidas como periféricas. Nessa arte, ganharam espaço o sertanejo simples, a seca, as instituições autoritárias e a briga por poder que até hoje compõe nosso cenário. Pau dos Ferros, portanto, surge como espaço nesse romance graças ao fato de que o Modernismo de 30 dá voz às paisagens interioranas. O texto de Zé Lins, ainda que do século passado, pode permanecer atual, a depender da leitura que se faça dele e de nossa sociedade.


Netanias Mateus de Souza Castro é mestrando em Letras pelo PPGL/UERN na linha de pesquisa “Texto literário, crítica e cultura” e cabra macho.