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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

SÍTIO ARQUEOLÓGICO DE SERRINHA DOS CAMPOS


Arqueologia e mirantes de tirar o fôlego.

A Serrinha dos Campos fica na zona rural do município de Francisco Dantas/RN e é um local de difícil acesso, sendo essa uma das causas do baixo movimento turístico. O lugar possui uma comunidade cuja sobrevivência se baseia na agricultura familiar. São inúmeros os mirantes de onde se pode contemplar o vale do rio Apodi. Outra particularidade do local é um sítio arqueológico com gravuras rupestres. Descobertas em meados do século XX, as gravuras foram reavivadas com tinta branca pela população local, que desconhecia a real importância da preservação das gravuras.


quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Mossoroense será nova cantora da banda Calypso


Mossoró Hoje – A cantora mossoroense Thábata Mendes é a nova vocalista da banda Calypso. A informação foi confirmada pelo jornal Extra, do Globo. Segundo o jornal, a cantora será apresentada na próxima semana à imprensa. O material de divulgação está sendo produzido.

O Extra informa ainda que a mossoroense já se prepara para cantar nos palcos com a banda paraense. Thábata Medes tem 28 anos, começou sua carreira artística aos 9 anos. A família é circense e a menina se apresentada nos picadeiros como malabarista e também palhaça.


terça-feira, 27 de outubro de 2015

A Grande Seca do Nordeste

A Grande Seca do Nordeste
Por Talita Lopes Cavalcante 

Foto de uma das vítimas da Grande Seca, Ceará, 1878. Foto de Joaquim Antônio Correia, “Vítimas da Grande Seca”, Albúmen, Carte de Visite, 9 X 5,6 cm, Ceará, CA. 1878. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional – Brasil.

Das grandes secas que assolaram o Brasil, uma das mais graves e lembradas foi aquela que compreendeu os anos de 1877 à 1879, ficando conhecida como a grande seca do Nordeste. Foram quase três anos seguidos sem chuvas, com perda de plantações, mortes de rebanhos e miséria extrema. A situação foi tão desesperadora, que famílias inteiras se viram obrigadas a migrar para outros estados, promovendo uma onda de imigrações.

O cenário ficou cada vez mais caótico, principalmente quando os retirantes chegaram em outras cidades e estados. Devido à miséria extrema das pessoas que chegavam, os moradores locais temiam saques no comércio e armazéns. Além disso, as cidades para as quais as vítimas da seca se dirigiam começaram a ficar cada vez mais apinhadas de flagelados. Fortaleza, por exemplo, converteu-se na capital do desespero. De 21 mil habitantes pelo censo de 1872 passaram a ter 130 mil.

Somando-se ao quadro caótico, os rebanhos de animais sobreviventes sucumbiram diante da ação de zoonoses, furtos, fome e sede. A flora e a fauna da região praticamente desapareceram. Por fim, para completar o quadro de tragédia, houve um surto de varíola, dizimando milhares de pessoas. Finalmente o governo imperial enviou ao Nordeste uma comissão de engenheiros para a perfuração de poços, construção de estradas de ferro e armazenamentos de água, para assim resolver o grande problema da seca.

Vítimas das secas de 1877/1878, no Ceará – Brasil. 
Foto: autor desconhecido, Biblioteca Nacional.

Curiosidade:

Calcula-se que 500 mil pessoas morreram por causa da seca, em que o Estado mais atingido foi Ceará. O imperador dom Pedro II foi ao Nordeste e prometeu vender “até a última joia da Coroa” para amenizar o sofrimento dos súditos da região. Não vendeu, porém enviou engenheiros para a construção de poços.

Alguns anos depois da primeira grande seca no século XIX, em 1915 um novo episódio assolou o sertão nordestino. Mais uma vez, a nova seca fez com que diversos nordestinos migrassem para as grandes cidades, porém, ao contrário do primeiro episódio, o governo cearense resolveu se precaver de uma maneira desumana. Desta feita, o governo criou os primeiros currais humanos, campos de concentração em regiões separadas por arames farpados e vigiadas 24 horas por dia por soldados para confinar as almas nordestinas retirantes castigadas pela seca.

Notícia sobre o Campo de Concentração dos Flagelados, publicada no Jornal O POVO, em 16/04/1932.

A oeste da cidade de Fortaleza foi erguido, então, na região alagadiça da atual Otávio Bonfim, o primeiro campo de concentração brasileiro. Ali ficaram confinadas cerca de 8 mil pessoas com alimentação e água controladas e vigiadas pelos soldados do Exército. Naquele mesmo ano de 1915, após incentivos para que os retirantes migrassem para a Amazônia, o curral humano foi desativado.

Cerca de 17 anos mais tarde, em 1932, foi a vez de reabrir o campo de concentração de Otávio Bonfim e criar novos currais humanos. Naquele ano, outra grande seca castigou novamente o sertão nordestino, fazendo com que, mais uma vez, milhares migrassem para os grandes centros urbanos. Após dezessete anos, nem o governo federal, nem os governos estaduais haviam se precavido para diminuir os efeitos da seca e a solução, novamente desumana, passou a ser a criação e ampliação dos campos de concentração nordestinos.

Vítimas da seca. Crianças e adultos jazem ao lado da linha férrea que levava para o Campo de concentração de Senador Pompeu. De forma assustadoramente parecida, as cenas brasileiras dos currais humanos lembravam bastante os campos de concentração nazistas.

Pela segunda vez, foram erguidas regiões cercadas por arames farpados e vigiadas diariamente por soldados para confinar os nordestinos afetados pela seca. Corpos magros, de cabeças raspadas e numeradas se apinhavam aos montes dentro dos cercados de Senador Pompeu, Ipu, Quixeramobim, Cariús, Crato (ou Buriti, por onde passaram mais de 65 mil pessoas) e o já conhecido Otávio Bonfim, os maiores currais humanos instalados no Brasil para conter a massa castigada pela seca dos anos de 1915 e 1932.

Poema “Campos de Concentração no Ceará”, por Henrique César Pinheiro.

No Estado do Ceará
A exemplo do alemão
Houve por aqui também
Campo de concentração
Lá era pra matar judeu
Aqui o povo do sertão.

Na seca de trinta e dois
Criamos uns sete currais
Para evitar que famintos
Criassem problemas sociais
E pudessem invadir
Na capital seus mananciais.

Currais foram construídos
Em Senador Pompeu, Ipu,
Quixeramobim e Crato,
Fortaleza e Cariús.
Fortaleza teve dois
Otávio Bonfim, Pirambu.

Pessoas foram confinadas
Como bando de animais.
Tinha a cabeça raspada
Sacos de açúcar, jornais
Era o que lhes serviam
Como vestes mais usuais

Sem nome, ou identidade,
Chamados por numerais.
Desta maneira estavam
Registrados nos anais.
Só se comia farinha,
Rapadura nos currais.

Toda essa gente foi presa
Sem ter crime praticado
E para isto bastava
Somente estar esfomeado.
Pedir prato de comido
Que seria logo enjaulado.

E controlados por senhas,
Pelas forças policiais.
Quem entrava não saía,
Senão pros seus funerais.
Sessenta mil lá morreram.
Nos registros oficiais.

Para aqueles locais, todas
Pessoas foram atraídas.
Com promessas que seriam
por médicos assistidas,
Que teriam segurança
E fartura de comidas

Experiência que houve
Somente aqui no Ceará.
Que se iniciou em quinze
Naquela seca de torrar
Depois disso os alemães
Trataram de aperfeiçoar.

Alguns campos projetados
Para abrigar duas mil pessoas
Dezoito mil chegou alojar.
Presos por vilões e viloas,
Felizes os governantes
Ainda cantavam suas loas.

Em Ipu todos os dias
Morriam de sete a oito.
A maioria era de fome
E até por ser afoito,
Nas tentativas de fugas,
Pro que não havia acoito.

Nas décadas posteriores,
Pra mudar essa imagem,
governos criaram albergues
para evitar sacanagem,
mesmo assim pouco funcionou
pois sempre há malandragem.

E o povo nordestino
ainda de pires na mão,
espera de todos governos
pro problema solução.
Agora estamos na briga
pela tal transposição.

Ceará de Terra da Luz
É chamado no Brasil.
Foi nosso primeiro estado
Que escravatura aboliu
Pra isso não foi necessário
Nem mesmo usar um fuzil.

Mas a geração atual
Tem que redimir o erro
De governantes passados.
Não permitir o desterro
De seus filhos pra terra alheia
e muitos acham o enterro.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO
FORTALEZA/MARÇO/2008

Henrique César

Referências:
– “A Seca de 1877 – 1879“, Fátima Garcia, Fortaleza em Fotos.
– AZEVEDO, Miguel Ângelo. Cronologia Ilustrada de Fortaleza.
– KOSSOY, Boris. Um olhar sobre o Brasil: A fotografia na construção da imagem da nação (1833 – 2003). 1° edição. São Paulo: Fundación Mapfre e Editora Objetiva, 2012. p. 94.
– LESSA, Letícia. Currais de gente no Ceará.
– “Currais Humanos“. Diário do Nordeste
– SÁ, Chico. “Ceará: Nos campos da seca“. Revista Aventuras na História. Editora Abril: 2005.
– Arquivo “O Povo no campo de concentração“. 1932.

A chacina do Sítio Caldeirão

Um Sopro de Liberdade Beato Lourenço 
A chacina do Sítio Caldeirão 


Em 11 de maio de 1937, um ruído no céu da chapada do Araripe assustou os camponeses. Com medo, eles tentavam se esconder entre as árvores enquanto máquinas voadoras deslizavam pelos ares daquela região do Cariri, no sul do Ceará. Homens, mulheres e crianças fugiam de algo que, com certeza, viam pela primeira vez. O desespero foi ainda maior quando os aviões da Força Áerea Brasileira (FAB) começaram a metralhar. Muitos ali devem ter sussurrado o derradeiro Pai-Nosso. Outros nem tiveram tempo para tanto. 

Quarenta anos após o massacre dos sertanejos liderados por Antonio Conselheiro, em Canudos, na Bahia, e 20 anos depois da Guerra do Contestado, episódio com desfecho semelhante ocorrido nos estados do Paraná e de Santa Catarina, as tropas de diferentes esferas do poder público novamente uniam forças para abater humildes agricultores brasileiros. Desta vez as vítimas pertenciam à comunidade do sítio Caldeirão, cujo líder era o beato José Lourenço. 

Naquele dia, a polícia militar do Ceará e os aviões enviados pelo Ministério da Guerra exterminaram nordestinos religiosos e pacíficos que por dez anos tinham buscado apenas uma forma de sobreviver às mazelas da vida sertaneja: seca, fome, coronelialismo... Passadas aproximadamente sete décadas de quase completo silêncio, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Ceará (Coepa) tombou, em 21 de março de 2007, uma área de 60 hectares pertencente ao núcleo do que um dia foi o sítio Caldeirão. Com isso, o governo estadual tenta corrigir um erro histórico, reconhecendo a importância do episódio em que migrantes, principalmente do Rio Grande do norte, viveram uma utopia de igualdade e auto-suficiência baseada na fé cristã. A medida, porém, não pode reparar a morte dos 700 (400, segundo dados oficiais) seguidores de José Lourenço, discípulo do padre Cícero. Como tudo iniciou

Longe do litoral nordestino, um emaranhado de crenças – cristãs e pagãs – caracterizava a religiosidade popular das terras secas nas primeiras décadas do século 20. Sem contar com assistência do Estado e da Igreja para enfrentar as dificuldades de sobrevivência, os sertanejos tinham poucas opções, como o cangaço, o trabalho semi-escravo nos latifúndios dos coronéis ou o misticismo. Assim, Virgolino Ferreira da Silva se tornou o “Lampião” e Antônio Vicente Mendes Maciel, o “Conselheiro”. 

A alternativa da fé era encabeçada por profetas populares, que viam a miséria como um “castigo de Deus” e encorajavam a prática de penitências como forma de obter a salvação. Para eles, as mazelas do nordeste eram sinais de que o fim do mundo estava próximo e, portanto, não tardaria a grande viagem ao paraíso divino. 

Quando deixou seu lar para trabalhar em fazendas de gado próximas à sua cidade, no estado de Paraíba, José Lourenço Gomes da Silva era ainda jovem. Ao retornar para casa, após anos de ausência, soube que seus pais haviam mudado para Juazeiro do Norte, no Ceará – lugar que se tornara um pólo de atração devido à fama do padre Cícero. 

Em 1890, já novamente ao lado de sua família, José Lourenço acabou conquistando a amizade do famoso sacerdote. Depois de viver alguns anos nas proximidades de Juazeiro e de integrar algumas seitas de penitentes – pessoas que rezavam em cemitérios pelas almas do purgatório e que praticavam autoflagelação para se purificar de pecados -, o paraibano arrendou o sítio Baixa Dantas, onde formou uma comunidade. De 1894 a 1926, ali foi desenvolvida sua primeira experiência de trabalho coletivo igualitário. Enxada na mão, José Lourenço e seus companheiros enfrentaram o desafio imposto pelo terreno pedregoso e passaram a cultivar frutas, cereais, algodão e hortaliças. A comunidade crescia à medida que muitas famílias chegavam a Juazeiro – a “meca sertaneja” – sem ter trabalho ou moradia e eram encaminhadas pelo padre Cícero aos cuidados do beato. 

A perseguição começa aos poucos... 

Apesar dos progressos no Baixa Dantas, a vida dos moradores do lugar não foi isenta de percalços. Em 1921, surgiu o boato de que o boi doado pelo padre Cícero para melhorar a raça do gado local estava sendo adorado pela comunidade. Floro Bartholomeu, chefe militar de Juazeiro, prendeu José Lourenço por 18 dias e matou o boi, num ato denominado por ele de “combate ao fanatismo”. Anos depois, o beato enfrentaria outra situação intrincada. O sítio em que a comunidade vivia foi vendido, e o novo proprietário expulsou os camponeses sem qualquer indenização. 

Diante desse problema, o padre Cícero encaminhou José Lourenço e seus seguidores à sua fazenda Caldeirão dos Jesuítas. A aridez do lugar, limitado ao norte pela caatinga e ao sul pela floresta do Araripe, não desanimou o hábil grupo de lavradores que havia trabalhado por 32 anos no Baixa Dantas. Tocado como um projeto coletivo, logo o Caldeirão começou a se transformar. 

Famílias de todo o nordeste, a maioria proveniente do Rio Grande do Norte, passaram a viver de trabalho e oração naquele pequeno terreno de 500 hectares no interior do Ceará, que chegou a comportar 2 mil pessoas. Ali tudo era feito em sistema de mutirão, e imperava a cooperação. As obrigações eram divididas e os benefícios distribuídos conforme as necessidades de cada um. 

Sem coronéis para explorar a mão-de-obra, os camponeses experimentaram sopros de liberdade. A paraibana Maria Inácia tinha 10 anos quando morou no Caldeirão, lugar que recorda com um olhar saudoso: ”Era o mesmo que um céu aberto. Logo que amanhecia, meu padrinho Lourenço era o primeiro a sair para a lida. Nós tomávamos café ali mesmo, na roça. Às 9 horas vinha uma carga de rapadura para merendar, e às 11 chegavam as cozinheiras com o almoço. Na roça, tudo o que se planta, dá...e lá a gente plantava” , lembra enquanto mostra orgulhosa as fotos dos “padrinhos” Cícero e José Lourenço, penduradas na parede da sala. Um sopro de liberdade acaricia os infelizes

Relatos como o de Maria Inácia são freqüentes entre antigos membros da irmandade formada no Caldeirão. Todavia, essa memória positiva só é possível porque houve um grande empenho no passado. Após os primeiros anos de adaptação, as atividades foram diversificadas e a comunidade caminhou para a auto-suficiência, produzindo quase tudo de que precisava: desde roupas e sabão até panelas, copos e baldes. Para tanto, os artesãos, carpinteiros e ferreiros utilizavam matéria-prima local. Os tecidos, por exemplo, eram feitos com algodão cultivado na própria fazenda. O que não conseguiam obter ali era comprado nas cidades próximas. 

Para os membros da comunidade, era importante que houvesse uma igreja onde pudessem praticar a religião tradicional. Apesar de nunca terem recebido a visita de um sacerdote, ainda que tivesse sido solicitado, no começo da década de 1930 um mestre-de-obras foi convidado a ajudar na construção da Capela de Santo Inácio de Loyola, na parte central do Caldeirão. A expulsão dos camponeses, porém, ocorrida cinco anos depois, impediu que a obra fosse concluída. Hoje, restaurada pela prefeitura do Crato, a igrejinha é um dos principais marcos históricos do sítio. Buscando abrigo no Caldeirão

Dentre as virtudes da comunidade do Caldeirão, também conhecida como Irmandade de Santa Cruz, a caridade sobressaiu durante a seca de 1932. Constantes no semi-árido nordestino, duas grandes estiagens forçaram os sertanejos a migrar para o litoral nas primeiras décadas do século passado. Para controlar a “invasão de flagelados” na de 1915, o governo do Ceará construiu o Campo de Refugiados do Alagadiço, onde uma epidemia de varíola matou boa parte dos reclusos. Em 1932, com a intenção de manter os retirantes longe de Fortaleza, os órgãos públicos intensificaram as medidas de contenção. Assim, ergueram sete campos de concentração – ou “currais”, na linguagem popular – distribuídos pelas linhas férreas do estado. 

Enquanto os dois campos próximos da capital reuniram cerca de 5,5 mil pessoas, o Buriti, no Crato, que tinha capacidade para no máximo 5 mil, aglutinou por volta de 18 mil. Segundo a historiadora Rosângela Martins, durante a seca de 1932 os refugiados de Buriti foram vigiados rigorosamente por sentinelas. Havia ali até mesmo uma prisão interna para os desobedientes. Por causa da desnutrição e de doenças, “morria gente todos os dias, e um caminhão passava recolhendo os corpos no final da tarde para jogá-los em valas na parte alta do campo”, afirmava Rosângela. 

Alguns retirantes tiveram sorte e conseguiram driblar o Campo de Buriti e chegar até o Caldeirão, onde as atividades corriam normalmente, já que mesmo nos anos de estiagem não faltava comida. José Lourenço solidarizou-se com os sertanejos e integrou à sua comunidade pelo menos 500 pessoas que pediram auxílio. Exemplo ecológico

O termo “caldeirão”, antes de dar nome ao sítio que abrigou a irmandade liderada pelo beato José Lourenço, já designava uma falha geológica formada por pedras que se enchia de água do riacho que por ali passava. Essa estrutura natural foi muito importante para o desenvolvimento da comunidade, porque a água ficava acumulada no “caldeirão” mesmo em tempos de seca. 

O clima na região do Cariri é semi-árido, com chuvas concentradas nos quatro primeiros meses do ano. Depois desse curto período, nem uma gota cai do céu. Por isso o desafio maior para o pessoal do sítio era irrigar as plantações, uma vez que o solo não possibilitava a retenção de água. 

“Como é possível sustentar toda uma comunidade dependendo de um solo que tem restrições agrícolas ? O grande mérito do beato foi exatamente este: ele soube utilizar os recursos e os ecossistemas do semi-árido”, afirma o geógrafo Arlindo Siebra. Além do modus vivendi igualitário, o Caldeirão foi um exemplo ecológico para o nordeste. Segundo Siebra, a comunidade construiu várias microbarragens e dois açudes. Faziam também um tipo de cisterna, que cobriam para evitar a evaporação, armazenando a água no subsolo. 

Outra característica importante frisada por Siebra era o não-desmatamento da “coroa da serra” – como são chamadas as partes mais altas da fazenda. Normalmente os agricultores trabalham com rotação de culturas, ou seja, queimam a vegetação para adubar o solo e depois plantam durante cerca de três anos. Posteriormente, abandonam a área – deixando a vegetação brotar de novo, o que chamam de “encapoeiramento” – para repetir o processo após três ou cinco anos. A falta de espaço, porém, impedia José Lourenço de fazer as rotações. 

Segundo Siebra, o beato “só plantava abaixo da “coroa da serra”, e apenas em um trecho por ano, passando depois para outro. Como a cobertura vegetal da coroa permanecia intacta, quando chovia as sementes eram dispersadas de cima para baixo. Dessa maneira, utilizando a força da gravidade, a área encapoeirava mais rápido que um terreno plano”. Com esse manejo agrícola, somado à criação de peixes e de gado, as quase 2 mil bocas da irmandade não sentiam falta de comida. Expulsão pela ganância dos 
Salesianos e maldade dos militares

Se no Baixa Dantas os camponeses perderam o direito à terra e tiveram de sair às pressas, no Caldeirão não foi diferente. Aliás, pior. José Lourenço não era considerado pelas elites do Ceará um simples beato analfabeto e inofensivo, mas um perigoso líder capaz de articular grandes levantes contra a ordem pública. O principal problema apontado era a organização da comunidade, que as oligarquias tachavam de comunista. 

As autoridades, na verdade, queriam o fim do Caldeirão, mas havia um problema: a ligação entre o beato José Lourenço e o padre Cícero. Brigar com o “Padrinho” não valia a pena, em hipótese alguma. Porém, com a morte do sacerdote, aos 90 anos, surgiu a oportunidade tão esperada, uma vez que desde 1923 o testamento do religioso garantia a propriedade do Caldeirão aos padres salesianos. 

Por essa razão, o beato José Lourenço teve de começar a pagar tributos aos novos proprietários pelo usufruto da terra. Segundo José Tavares de Lira, filho e neto de ex-moradores do Caldeirão, seu pai sempre levava uma tropa de burros carregada de gêneros para os salesianos. Contudo, em 1936, o bacharel Raymundo Norões Milfont, representante jurídico dos padres, solicitou reintegração de posse. 

No mesmo ano, a cidade de Fortaleza sediou uma reunião de representantes de seis instituições: diocese do Crato, ordem dos padres salesianos, Liga Eleitoral Católica, polícia política (Deops), polícia militar e governo do Ceará. Os presentes ouviram relatos do capitão José Bezerra (embora o nome seja igual, e ruim tal, não é o comandante do assassinato à traição de Lampião e seu bando), da polícia militar, que, em busca de um pretexto para a invasão, havia espionado a comunidade para ver se ali havia armas. O oficial não as encontrou, mas disse que as forças públicas precisavam agir “com rapidez fulminante, para evitar a possibilidade de uma reação premeditada”, pois havia muita gente no arraial. O massacre começa a ser esboçado

As autoridades temiam a resistência semelhante à de Canudos, onde o exército brasileiro fora seguidas vezes derrotado, até que, em 1897, promoveu o massacre de milhares de camponeses. Alegaram também o risco de o Caldeirão resvalar para as mãos de líderes marxistas, já que no final de 1935 Luís Carlos Prestes tinha comandado a Intentona Comunista, cujo primeiro levante havia ocorrido no Rio Grande do Norte. 

No dia 11 de setembro de 1936, as forças do Estado invadiram o Caldeirão. Coturnos de policiais civis e militares entraram marchando, mas não encontraram o beato José Lourenço, que havia fugido para a floresta da chapada do Araripe, onde ficou escondido até o início de 1938. Lá ele tomou o cuidado de não fixar residência, vivendo de forma nômade em construções de palha improvisadas, alimentando-se de frutas silvestres e, por vezes, de gêneros doados por amigos de fazendas próximas. No dia da invasão porém, o capitão Cordeiro Neto ficou confuso sobre a atitude a tomar diante das mais de 400 casas de taipa. Optou pela devastação: expulsou os moradores, queimou os casebres e entregou parte dos bens ao município do Crato. “A polícia chegou lá e acabou com tudo. Levaram o que havia no armazém, e até as portas da casa do beato”, conta José Lira. 

Homens de confiança de José Lourenço foram presos e conduzidos a Fortaleza. Retornaram ao Crato após 14 dias e encontraram pessoas da comunidade vivendo no pé da serra da Conceição, nas entranhas do Araripe, sob constantes maus-tratos das autoridades, que permaneciam em alerta. No depoimento dado ao pesquisador Régis Lopes, Eleutério Tavares, morador influente do Caldeirão, comentou a ação policial: “ Lá, bateram em pessoas, fizeram gente engolir rosário na ponta da baioneta. Só não fizeram matar mesmo”. O general Eurico Gaspar Dutra apóia os perseguidores

No início de 1937, as autoridades do Ceará receberam denúncias sobre o pessoal de José Lourenço, que após a dissolução da comunidade vivia clandestinamente nas matas da chapada do Araripe. Corriam boatos de que ex-integrantes do Caldeirão atacariam o Crato. Ciente disso, o capitão Bezerra e 11 soldados da polícia de Juazeiro foram até lá para checar as informações e entraram em conflito com um grupo de camponeses. Nesse embate, morreram o capitão e três praças. Do outro lado, foram cinco perdas, entre elas, Severino. 

Após a divulgação daquele conflito, fortes contingentes militares partiram de Fortaleza à caça dos remanescentes do Caldeirão, determinados a vingar a morte do capitão Bezerra. O ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, colocou a força federal à disposição do governo cearense e autorizou o vôo de três aparelhos do Destacamento de Aviação, sob responsabilidade do capitão José Macedo, para auxiliar no reconhecimento da zona e localização dos camponeses. 

Dos aviões, as metralhadoras dispararam, enquanto 200 patrulheiros vasculhavam a chapada de Araripe para concluir a missão. Naquele 11 de maio de 1937, cerca de 700 lavradores foram massacrados. Nenhum soldado morreu. Mesmo depois da “grande investida” militar, policiais continuaram a perseguir, prender, torturar e matar pessoas que se vestissem de preto e portassem rosário – as características dos seguidores do beato. Eu não celebro missa para bandido!

Em 1938, José Lourenço retornou ao sítio Caldeirão e ali permaneceu por dois anos, até ser novamente expulso pelo procurador dos padres salesianos, proprietários da fazenda. Seguiu então para Exu, no lado pernambucano da chapada, onde montou outra comunidade, no sítio União, comprado com os 7 contos de réis recebidos como indenização por uma parte dos bens do Caldeirão. O advogado do beato tentou mover uma ação contra o Estado para recuperar a totalidade das perdas do arraial, todavia o pedido não foi atendido. 

José Lourenço morreu em 12 de fevereiro de 1946 no sítio União, vítima de peste bubônica. Seguidores carregaram o caixão com seu corpo, a pé, de Exu até Juazeiro do Norte, num percurso de 70 quilômetros. Depois da longa e cansativa jornada, o corpo do beato foi velado na casa de Eleutério Tavares. Em seguida, os fiéis solicitaram uma missa a monsenhor Joviniano Barreto, porém o vigário não apenas recusou o pedido, como proibiu a entrada do esquife na capela: “Eu não celebro missa para bandido”, alegou o sacerdote. 

Após serem rejeitados na “casa de Deus”, e debaixo da chuva qua caía em Juazeiro do Norte, os amigos do beato fizeram um sepultamento no cemitério do Socorro, ao lado da igreja homônima. A estudante de pedagogia Ana Izabel Tavares é quem atualmente cuida do jazigo, onde estão até hoje as imagens de santos que tinham sido importadas da Alemanha para a Capela de Santo Inácio de Loyola. Patrimônio

A estrada de terra esburacada dificulta o acesso ao Caldeirão, situado no município do Crato, entre os distritos de Monte Alverne e Dom Quintino. Em 1998 o ex-secretário municipal da Cultura Rosemberg Cariry apresentou projeto com o objetivo de transformar o sítio num grande parque histórico, com museu e anfiteatro para eventos ligados à cultura popular. No mesmo ano, a prefeitura do Crato comprou parte central do terreno onde viveu a irmandade liderada pelo beato José Lourenço e reformou a Capela de Santo Inácio de Loyola, colocando portas novas, pois as originais haviam sido roubadas na invasão policial de 1936. 

Atualmente a única família residente no sítio é a do agricultor Raimundo Batista. Embora não seja remanescente da antiga comunidade, ele sabe que ali havia fartura, ao contrário do que acontece hoje, pois mal consegue garantir a própria subsistência: ”Isto aqui era um Caldeirão vivo, hoje é um Caldeirão morto”, lamenta. O isolamento só é quebrado pelas romarias de setembro ou quando aparecem pesquisadores para examinar as ruínas da fazenda. 

A cruz ao lado da capela, por exemplo, indica o cemitério. Mais adiante fica o “caldeirão” de pedras, onde os filhos de Raimundo aproveitam para nadar e fugir do calor da caatinga. Segundo Arlindo Siebra, o “caldeirão” está passando por um processo de assoreamento, ou seja, perdendo profundidade. Isso indica que mesmo após o Coepa ter ratificado a importância do sítio, em março, ainda faltam medidas de manuntenção. Pouco a pouco os vestígios históricos, como a casa do beato José Lourenço, estão desaparecendo. 

Revista Problemas Brasileiros 
Texto e fotos de João Mauro Araujo 
Adaptação GNT

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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

VEJAM!!!!!! A REPORTAGEM QUE REINVENTOU LAMPIÃO

02/09/2015 

Imagem que fez história – A foto das cabeças decepadas de Lampião e seu bando foi estampada nas páginas centrais de A Noite Ilustrada pouco mais de uma semana depois do massacre de Angicos e correu o mundo ao longo do século 20

A revista carioca A Noite Ilustrada publicou a maior cobertura da imprensa sobre a morte do mais famoso cangaceiro, fato que evidenciava sua importância como notícia e lenda.

A capa da edição da quarta-feira 9 de agosto de 1938, da revista A Noite Ilustrada, lançada 11 dias depois do massacre na Fazenda Angicos, município de Piranhas, entre Alagoas e Sergipe, onde morreram Virgulino Ferreira da Silva (1898-1938), o Lampião, Maria Bonita e mais nove pessoas, é emblemática. Em vez de estampar o mais famoso e temido cangaceiro do País, a imagem trazia em destaque outro bandoleiro, Corisco, conhecido pela polícia e pela imprensa como Diabo Louro. A mensagem parecia clara: sem Lampião, o cangaço sobreviveria pelo herdeiro e compadre de seu antigo chefe. Rei morto, rei posto? Não. A legenda explicava que aquela foto havia sido encontrada entre muitas outras em um dos bolsos do famoso criminoso, quando os soldados da “volante” foram saquear seus bolsos, em busca de joias e dinheiro, no momento em que seu corpo jazia, cravado de balas.

Em 28 páginas sobre o massacre, a revista, comandada pelos jornalistas Gil Pereira e Vasco Lima, trazia a primeira grande reportagem sobre o assunto, que se tornou aula e marco do jornalismo na época. Motivo: a publicação tinha conseguido mandar uma equipe – fotógrafo e repórter – do Rio de Janeiro até o local, a dois mil quilômetros de distância, em pouco mais de 24 horas. Ao que parece, foi uma operação de guerra. Tão logo as primeiras notícias da morte de Lampião chegaram às redações do Rio de Janeiro, via telegrama, nenhum jornal ou revista teria se interessado em mandar equipes.

Segundo o site blogdomendesemendes.blogspot.com.br, no dia 2 de agosto de 1938 a revista A Noite Ilustrada também publicou outra reportagem sobre a morte de Lampião e Maria Bonita

Por mais de dez anos, a grande imprensa acompanhou as muitas caçadas a Lampião, promovidas pela polícia de pelo menos seis estados do Nordeste por onde ele e seu bando circularam e “aterrorizaram” – Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A viagem dos jornalistas de A Noite Ilustrada só foi possível porque eles conseguiram embarcar antes do meio-dia em um voo internacional da Pan American, que fazia a rota Miami-Rio de Janeiro-Buenos Aires. As escalas eram feitas em Montes Claros (MG), Barreiras (BA) e Carolina (MA).

Os jornalistas desceram em Barreiras, no cerrado baiano, e de lá cruzaram de carro ou de trem boa parte do território baiano, até chegar à cidade de Piranhas. Na manhã seguinte, eles se depararam com a tropa de 49 homens do tenente João Bezerra na pequena cidade de Pedras, no meio do caminho até Santana do Ipanema, onde ficava o batalhão que realizou a operação militar.

Os enviados se tornaram a primeira equipe de jornalistas a visitar a “gruta” de Angicos, depois do massacre. Acabaram por fazer fotos que se tornaram famosas ao longo dos 75 anos seguintes e foram reproduzidas incontáveis vezes por jornais, revistas e livros sobre o tema. São imagens que chocaram os leitores. Logo na página três, aparecia a cabeça decepada quase em tamanho real da mulher mais famosa do cangaço e um pequeno texto dizia: “Companheira de Lampião, fotografada em Pedra, durante o regresso da ‘volante’ (tropa) do tenente João Bezerra, quando ainda conservava a regularidade dos traços e a serenidade da expressão. Mesmo depois da morte violenta, justificando a alcunha, a cabeça da bandoleira mostra vestígios de tranquila beleza”.


Nas páginas centrais, como pôster de 43 cm x 86 cm, A Noite Ilustrada estampava a foto mais famosa da história do banditismo no Brasil, que se tornou símbolo do grau de selvageria que dominava mocinhos e bandidos nos confins da caatinga brasileira: as cabeças decepadas dos mortos de Angicos, arrumadas na escadaria de uma igreja, identificadas com uma etiqueta ao lado de cada uma. Apareciam, pela ordem de cima para baixo, da esquerda para a direita: Diferente, Desconhecido, Cajarana, Enedina, Caixa de Fósforos, Mergulhão, Elétrico, Luis Pedro, Maria Bonita e, sozinha na parte de baixo, Lampião.

Ao redor, parte dos pertences recolhidos – armas e balas em quantidade, embornais e uma máquina de costura aparentemente da marca Singer. No local do tiroteio, há uma foto que mostra com números e setas como tudo aconteceu: onde estavam os soldados e em que ponto Lampião foi mortalmente atingido, sem ter chance de qualquer reação.

A notícia tinha corrido o Brasil como fogo em pólvora. Todos os grandes jornais destacaram o fato na primeira página. Por 18 anos, Lampião e seu bando atacaram, principalmente, pequenas e miseráveis localidades em que a população vivia sob o chicote e o domínio eleitoreiro das dinastias dos coronéis. A imprensa das regiões Sul e Sudeste sempre se interessou pelo assunto, destacava a crueldade de Lampião e de seus comparsas e o heroísmo da polícia em sua captura. Ficaram famosos nomes como do sargento Odilon Flor que, por oito anos caçou e perseguiu o cangaceiro, e o do tenente Campos de Menezes, que o perseguia desde a década anterior – por diversas vezes, Menezes e seus homens trocaram tiros com Lampião. Mas a glória coube ao desconhecido tenente Bezerra, transformado em herói nacional literalmente da madrugada para o dia.

A revista A NOITE ILUSTRADA de 02 de agosto de 1938

Não havia qualquer discussão na imprensa sobre as intenções do cangaceiro que eram apenas roubar e saquear a partir de uma índole criminosa natural, como aconteceu depois e o transformou em herói para muitos, por contestar o poder dos coronéis – Lampião seria fruto do inconformismo de um mundo injusto e sem lei. “Ido desta capital de avião, o serviço dos enviados especiais de A Noite Ilustrada ao sertão e à capital de Alagoas trouxe a lume o sensacional acontecimento por todas as suas faces mais empolgantes, acumulando uma sucessão de documentos que se encontram em parte nesta edição”, explicou a revista, em seu editorial. Para seus editores, a publicação havia feito algo extraordinário. Tanto da parte de seus repórteres quanto da polícia, mostrada como heroica. Dizia o título: “O sensacional acontecimento do sertão alagoano”.

Prosseguiram eles, na apresentação. “Releva notar o acervo de fotos feitas no próprio local do combate entre a polícia alagoana e o bando do ‘Rei do Cangaço’, a grota situada na fazenda Angicos, das quais se encontram na última página da revista, e testemunham não apenas a coragem, mas a temeridade dos nossos auxiliares.” No mesmo texto, destacou o pequeno vidro encontrado no corpo de Lampião, cheio de um pó amarelo, que, “verificou-se nesta capital, por experiência feita no laboratório de Pesquisas Científicas da Polícia, ser um veneno poderoso. É também um pormenor de sensível interesse”, porque se sabia, “por informações anteriores”, que era uma prevenção para não cair com vida em mãos das autoridades.

A revista A NOITE ILUSTRADA de 02 de agosto de 1938

“Consciente da enormidade de seus crimes, o cangaceiro não suportava a ideia de expiá-los. Pode suceder, também, que um amor próprio a seu modo lhe fizesse intolerável à possibilidade de vir a ser dominado pelos que considerava inimigos odiosos.” Ou seja, sua decisão era de jamais se deixar prender vivo pela política. Cometeria suicídio antes. “Verificou-se ainda que Lampião foi colhido por uma rajada de balas, pois seu famoso punhal, de cabo trabalhado a ouro e marfim, foi atingido numa das lâminas, e a própria cartucheira do bandido, onde o ímpeto de uma das balas que recebeu detonou outra da própria cartucheira do antigo ‘Terror do Nordeste’, que o atingiu mortalmente.”

O que se nota em toda a edição de A Noite Ilustrada é que em nenhum lugar são ditos os nomes do repórter e do fotógrafo, embora eles aparecessem em duas fotos e fossem assim identificados. Em uma delas, o fotógrafo, de óculos, posava à frente dos voluntários e soldados, sorrindo para a câmera. Em outra, o jornalista cumprimentava o aspirante Ferreira, cercados de soldados que apoiavam as mãos nos ombros dos dois. Uma legenda informava: “O corpo do bandoleiro foi identificado e fotografado por um dos enviados de A Noite Ilustrada na grota de Angicos, sendo que outros ali voltaram, ainda, depois, a fim de minudenciar o terreno fotograficamente, facilitando uma reconstituição do choque entre a polícia e os bandoleiros”. A edição trazia também o primeiro episódio de uma série em quadrinhos sobre a vida do cangaceiro, roteirizada e ilustrada por Euclides L. Santos. Com dez quadrinhos cada página, iniciava uma série que seria publicada duas vezes por semana no jornal A Noite, nos cinco meses seguintes.

A revista A NOITE ILUSTRADA de 02 de agosto de 1938
Singularmente ingrato

Lampião jamais imaginou que poderia ser morto em Angicos. Aquele era seu esconderijo havia muitos anos e ele acreditava, mesmo se traído, uma volante não conseguiria chegar ali. O terreno, no dizer de um geógrafo entrevistado pela revista, contou que o local era “singularmente ingrato”. E explicou que ficava “entalado entre a margem do rio e a montanha pedregosa e íngreme que da mesma margem começa logo a erguer-se, apertada entre gargantas e pequenas contraescarpas de serra, e ingrato, estéril e árido, ostentando rochedos de granito e penhascos inacessíveis. Essa topografia era da conveniência para os cangaceiros que, por isso mesmo, sempre procuravam Angicos, nas imediações de Piranhas, quando se sentiam inseguros e acossados”. Mas a força policial, comandada pelo tenente João Bezerra, reunia veteranos combatentes do cangaço, não teve dificuldades alcançar aquele ponto.

Os cangaceiros haviam chegado a Angicos no dia anterior, 27 de julho, exaustos, famintos. Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. O aguaceiro, em vez de dificultar a aproximação de alguma volante, ajudou, graças ao barulho da água que caía. Tanto que nem os cães de Maria Bonita pressentiram. Bezerra relatou depois que o bombardeio ainda não tinha começado, por volta das 5h15 do dia 28, e teve de ser precipitado. No momento em que os cangaceiros levantaram para rezar o ofício, de acordo com o ritual estabelecido pelo Rei do Cangaço, e se preparavam para tomar café, um cangaceiro deu o alarme. Tarde demais. Bezerra gritou: “Fogo”. Os soldados dispararam suas metralhadoras portáteis, que cuspiram dezenas de balas por minuto, por cerca de 20 minutos. Corisco e os outros que estavam mais distantes, e acabaram protegidos pelos rochedos, conseguiram se arrastar e fugiram.


Lampião foi um dos primeiros a morrer. Dentro dos costumes da época, Maria Bonita, gravemente ferida, teve sua cabeça decepada – fizeram o mesmo com o marido, em seguida. Na euforia que se seguiu, sem se preocupar se alguém tinha escapado, os policiais saquearam os cadáveres e os mutilaram com selvageria. Também foram degolados vivos Quinta-Feira e Mergulhão que estavam feridos. Um dos policiais, com ódio de Lampião, deu um golpe de coronha de fuzil na cabeça do cangaceiro tão forte que a deformou. Afirmou-se depois que todas as cabeças foram salgadas e colocadas em latas de querosene, com aguardente e cal, enquanto os corpos foram abandonados e devorados por urubus. Para evitar a disseminação de doenças, dias depois foi colocada creolina sobre os corpos. Como alguns urubus morreram intoxicados pela substância, esse fato ajudou a difundir a crença de que eles haviam sido envenenados antes do ataque, com alimentos entregues pelo coiteiro traidor. Outra versão dava conta de que as cabeças não passaram por qualquer processo de conservação nas 48 horas que se seguiram ao massacre. E mesmo inchadas – como se vê nas fotos –, foram vistas por milhares de curiosos nas cidades onde o pelotão passou.

Em Pedra, ao alcançar a volante, a equipe de A Noite Ilustrada conseguiu reunir 47 dos 49 homens que estiveram em Angicos para uma foto histórica. Duas outras mostravam a multidão que se concentrou em uma praça em Maceió para ver as cabeças dos 11 cangaceiros. “Em Piranhas, as tropas chegaram inesperadamente, quando terminara a feira ali erguida, e quando, portanto, ninguém imaginava a possibilidade de acontecimento de tal monta. A polícia alagoana, conduzindo os troféus do sangrento encontro, foi recebida por aclamações populares intensas, mais vivas e constantes, à medida que os populares se inteiravam do êxito completo do combate com o bando de cangaceiros. Ferido, embora sem gravidade maior, o Tenente Bezerra, cuja valentia é conhecida em todo sertão circundante, era visado particularmente nos aplausos do povo aglomerado”.

A revista A NOITE ILUSTRADA de 02 de agosto de 1938

O mesmo espetáculo foi verificado pela equipe da revista em Pedra e Água Branca, “onde as populações, vítimas durante tantos anos dos sustos constantes pelo perigo de incursões dos cangaceiros, mal podiam acreditar no extermínio do monstro da caatinga”. Em todas essas localidades, o chefe dos volantes determinou a exposição das cabeças. “Visava principalmente evitar alguma lenda de negação do fato, coisa muito natural em face da crença, alimentada pelos próprios acontecimentos, durante tantos anos, da intangibilidade do chefe do cangaço. Os soldados jubilosos pelo resultado da sortida, e sua alegria se misturava à do povo, compondo um espetáculo expressivo da sensação de libertação que pairou sobre aqueles recantos da civilização sertaneja.”


Em Santana do Ipanema, “esse jubilo popular atingiu maiores proporções”. Segundo o repórter, as cabeças dos cangaceiros, que haviam sido fotografadas em Pedra, foram novamente expostas à curiosidade pública “e numerosas pessoas reconheceram a cabeça decepada de Lampião e de outros seus comparsas do crime”. O espetáculo bizarro prosseguiu em Maceió. No Instituto Médico Legal de Aracaju, as cabeças foram medidas, pesadas e examinadas pelo médico Carlos Menezes. Suas observações fizeram com que os criminalistas mudassem a teoria de que um homem bom não viraria um cangaceiro, e este deveria ter características sui generis.

Lampião conversa com Benjamin Abrahão
Diferentemente do que acreditavam, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de degenerescência física, anomalias ou displasias, apesar da decomposição avançada. Acabaram classificadas como de indivíduos normais. Do sudeste do País, apesar do péssimo estado, seguiram para Salvador. Ali, permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal da Bahia. Nenhuma patologia foi encontrada após novos exames. Por mais de três décadas, ficaram expostas no Museu Antropológico Estácio de Lima, no prédio do IML Nina Rodrigues, no Terreiro de Jesus, em Salvador. Atraíam milhares de curiosos todos os anos, que queriam ver, principalmente, as cabeças de Lampião e Maria Bonita.

Enquanto isso, as fotos de A Noite Ilustrada corriam o Brasil e o mundo. Sem autorias definidas, perderam sua identidade, ao mesmo tempo que se tornavam documento de uma época. Por mais que a revista chamasse Lampião de facínora, o resultado de seu esforço jornalístico mantinha a força de uma história e não conseguiu evitar que de suas páginas nascesse uma lenda que, como tal, ainda fascina. Suas fotos e textos, enfim, por mais que se tenha feito um trabalho de reportagem louvável, não evitou que Lampião continuasse a andar pela caatinga, mesmo como um fantasma, cada vez mais vivo na imaginação das pessoas pela coragem de cabra macho que era em enfrentar os poderosos. Que se publique a lenda.

Porta Voz de Vargas

A redação de A Noite Ilustrada funcionava na Praça Mauá, 7, centro do Rio de Janeiro, e onde ficavam redações de jornais e revistas, e emissoras de rádio importantes. Lançada em 1930, a publicação surgira como um marco por sua qualidade de impressão, graças ao moderno sistema de rotogravura. Pertencia ao jornal A Noite, mesmo diário fundado por Irineu Marinho e Geraldo Rocha. A Noite sobrevivera ao longo da década de 1930 sob o duro castigo de ter apoiado o grupo derrotado pela Revolução de 1930.

Getúlio Dornelles Vargas (1883 – 1954)

Na ocasião, sua redação foi saqueada e incendiada e Rocha se refugiou em Minas Gerais. O diário sofreu intervenção do governo. Pressionado, Rocha reconheceu em cartório que tinha dívidas e abriu mão de seus bens para os bancos do governo, inclusive de A Noite. O jornal se tornou, então, uma espécie de órgão a serviço de Vargas e radicalizou seu oficialismo com a decretação do Estado Novo, em novembro de 1937, quando assumiu a mesma postura nazifascista do ditador brasileiro. Essa orientação editorial dava o tom na cobertura do massacre de Angicos e no modo de como a tropa do Exército foi tratada.

Lampião Lia “A Noite Ilustrada”

Pelo acaso, Lampião acabou por se tornar garoto propaganda de A Noite Ilustrada. Dois anos antes de morrer, ele aparecia em uma de suas mais famosas fotos, feita pelo fotógrafo e caixeiro viajante Benjamin abraão (1890-1938), mostrando um exemplar da famosa revista carioca, ao lado de maria Bonita, que aparecia sentada, acariciando os cães Ligeiro e Guarany. A edição, de 27 de maio de 1936, trazia na capa a nadadora americana Anna Evers, uma das promessas da olimpíada de Berlim daquele ano. 

Casal bem informado – Lampião com um exemplar de A Noite Ilustrada, de 1936, ao lado de Maria Bonita. O casal gostava de acompanhar pelas revistas as novidades do Brasil e do mundo

Na legenda, lia-se: “a sereia e sua rede… Anna Evers exibindo um formoso modelo praiano em Santa Mônica, Califórnia”. Segundo depoimentos das cangaceiras Aristéia e Dadá, as fotos foram feitas entre junho e julho de 1936, portanto um mês ou dois depois do lançamento da revista. Abrahão seria morto pouco mais de dois meses antes de Lampião, em serra talhada, no dia 10 de maio de 1938. De origem sírio-libanês-brasileira, ele se tornou o responsável pelo registro iconográfico do cangaço e de seu líder, Lampião.

Fonte – acordacordel.blogspot.com

Para fugir do serviço militar em seu país, durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918), ele veio para o Brasil. chegou em 1915. Foi mascate em Recife e Juazeiro do Norte, atraído pela frequência de romeiros em busca do Padre Cícero, de quem se tornou secretário e conheceu Lampião, em 1926, quando foi à cidade receber a bênção do célebre vigário e a patente de capitão, para auxiliar na perseguição da coluna prestes. Anos depois, obteve do cangaceiro autorização para acompanhar o bando na caatinga e realizar as imagens que o imortalizaram. Foi assassinado com 42 facadas e o crime nunca foi esclarecido.



ELES MERECEM!!!!!

Advogados Chiquinho Lôbo e Hudson Freitas disputam presidência da OAB Subseção Pau dos Ferros-RN

Os advogados Chiquinho Lobo e Hudson Freitas registraram, na última sexta-feira, 16, na Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Rio Grande do Norte, suas candidaturas para presidente e vice, respectivamente, e dos outros 11 membros da chapa “Por Uma OAB Renovada e Atuante” para as eleições deste ano da entidade pela Subseção de Pau dos Ferros.

Cerca de 100 advogados do Alto Oeste estão aptos a votar no pleito marcado para acontecer no dia 16 de novembro.

Nos dez anos de atuação no Direito, Chiquinho Lôbo foi escolhido diversas vezes, em pesquisas de opinião pública, como o advogado 'destaque' de Pau dos Ferros e região em reconhecimento ao seu trabalho de resultados.

Assim sendo, ele – que tem um companheiro do mesmo quilate ao lado - reúne, em torno de si, todos os substantivos, adjetivos e predicados para também fazer acontecer na gestão da OAB Pau dos Ferros.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

VAMOS ESPERAR QUANTAS SÊCAS???????


Não é mais novidade pra ninguém que estamos vivendo a maior sêca de todos os tempos. O reservatório que abastece Pau dos Ferros e adjacências(Açude Dr: Pedro Diógenes) não passa de um filete de água, rodeado de uma pequena floresta que está se formando às pressas. O açude 25 de março secou de "esturricar", com apenas alguns litros de esgoto que são despejados onde outrora seria o local mais fundo.

Essa semana,coincidentemente, alguns amigos resolveram reclamar nas redes sociais por uma manutenção nesses dois reservatórios acima citados. Como assim?? O poder público poderia disponibilizar Máquinas e homens para fazer uma limpeza nesses leitos SUPER ATERRADOS, abarrotados de vegetação com altura superior a hum metro e meio, carcaças de automóveis, restos de animais, enfim, uma infinidade de fatores que trarão um prejuízo maior, caso eles encham em anos seguintes.

No instante em que cair chuva, a água apodrecerá imediatamente, a quantidade diminuirá significantemente devido à aterração, enfim... a cidade aumenta o número de habitantes e os reservatórios diminuem a capacidade....o resultado será um CAOS.

Mais uma vez ...ATENÇÃO UERN, IFRN, UFERSA, Prefeitura de Pau dos Ferros, Câmara Municipal e a quem interessar: O TEMPO URGE!!!

ISRAEL VIANNEY

CONVITE




terça-feira, 20 de outubro de 2015

CHÁ SOCIAL BENEFICENTE


O COLUNISTA SOCIAL DO JORNAL DEFATO LISBOA BATISTA ESTÁ PROMOVENDO A SÉTIMA EDIÇÃO DO SEU CHÁ SOCIAL. DESSA VEZ A ENTIDADE BENEFICIADA SERÁ A MATERNIDADE SANTA LUIZA DE MARILAC. O EVENTO ACONTECERÁ NO DIA PRIMEIRO DE NOVEMBRO DE 2015, À PARTIR DAS 18:30 NO KANDICCE BUFFET. A ANIMAÇÃO FICARÁ A CARGO DE LIDIANE E EDUARDO "VOZ E ACÚSTICO".

FAÇA PARTE DESSE EVENTO!

PARABÉNS AO COLUNISTA!!!

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

O historiador Renê Guida inaugurou o Memorial Monsenhor José Aires Neto

O historiador Renê Guida inaugurou o Memorial Monsenhor José Aires Neto, com uma linda exposição fotográfica e objetos usados pelo inesquecível padre Monsenhor José Aires Neto. O Memorial conta com mais de 100 fotos que exibem a vida do Memorável Monsenhor. Os visitantes podem apreciar o acervo com conteúdo desde a infância até os seus últimos dias em nossa serra. O memorial estará aberto diariamente das 8 as 12ks e das 14 as 18hs, e está localizado a rua Manoel José de Carvalho Nº 51. Parabéns René por manter viva inúmeras historias de nossa serra!