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terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O CASARÃO DE ELÍSIO MAIA: memórias de Vicente de Paula Fernandes


    Há histórias pau-ferrenses que são tão verdadeiras e poéticas que o encanto da narrativa é o silêncio. Mas o silêncio é a voz da evidência de bonitas memórias que, apresentadas, ecoam no tempo, fazendo da materialidade do texto a eternização do momento.
    Sem sombra de dúvidas um dos mais bonitos casarões que Pau dos Ferros já teve foi o do Senhor Elísio Maia. Grande, imponente e em estilo arquitetônico inglês, o Casarão de Elísio Maia, assim como era conhecido, já foi palco de diversas tramas da vida social pau-ferrense.
    No Casarão de Elísio Maia, depois de ser residência de outras pessoas, como de Doutor Expedito Ferreira, funcionaram o Clik Bar (administrado por Ivanalda Oliveira, depois por Itaécia e Aparecida) e o Núcleo Regional de Educação, sob administração da Professora Maria Rêgo.
    No entanto, silencio por um momento as histórias dos antigos donos, estabelecimentos e instituições para contar, com autorização, obviamente, uma memória que muito me comoveu. Por meio da voz de Vicente de Paula Fernandes, conhecido popularmente por Paulinho, ouvi uma história que jamais sairá de minha recordação pau-ferrense [há recortes]: “Desde criança eu tenho uma admiração e paixão pela Avenida Getúlio Vargas, pelos casarões e, em especial, pelo Casarão de Elísio Maia, onde hoje é o prédio da Pizzaria e Restaurante Água na Boca. Meus pais moravam em casa simples, então, tudo era para mim, quando eu transitava pela avenida, uma verdadeira narrativa poética de beleza arquitetônica. Um dia eu passei em frente ao casarão, junto aos meus pais, e disse à minha mãe: - Mãe, esta casa ainda vai ser minha! Na época, meu pai disse para eu parar de conversar besteira.
    A vida seguiu... Fui morar em Natal, mas sempre guardando na memória o casarão de meus sonhos. De volta para Pau dos Ferros, tive a oportunidade de conhecer o casarão, pela primeira vez, internamente. Na época, funcionava lá o Núcleo Regional de Educação (NURE). Quando entrei no casarão, pelas largas portas e observando as grandes janelas, eu senti que estava em outro mundo, olhava tudo muito detalhadamente e, obviamente, com muita emoção. Nas paredes havia, assim, não sei dizer bem o que eram, mas pareciam ‘gomos’, feitos a mãos, decorando todo o entorno do prédio.
    O tempo passou, comecei a trabalhar no estado e administrava a pizzaria. Eu tinha um dinheiro guardado para investir, mas não estava em meus planos comprar o casarão, pois eu achava que, financeiramente, não seria possível. Então, em um certo dia, Zefinha Paiva, Advogada, amiga minha, chegou e me disse: - Paulinho, tem um prédio que está à venda e é perfeito para você alocar a pizzaria. Eu disse: - Qual prédio? Ela me respondeu: - O prédio de Arinaldo Maia, onde era o Casarão de Elísio Maia. No momento, eu comecei a me tremer e a chorar. Pedi a minha amiga para auxiliar essa aquisição, pois era a concretização de um sonho.
    Comprei o casarão: parte com o dinheiro que eu tinha guardado e o restante financiado pela Caixa Econômica Federal. Deu certo! Primeiro, pensei em reestruturar o prédio, pois a estrutura básica estava danificada. Contratei uma arquiteta, Márcia Rejane, de Mossoró. Apresentei minha proposta para ela, e ela me disse: - O casarão é em estilo inglês, inclusive um dos mais bonitos que conheço. No entanto, vai lhe custar muito dinheiro para realizar a conservação e preservação, mas vale a pena. Eu disse: Não tem problema, eu tenho coragem e vontade de trabalhar para conseguir pagar as despesas. Quero a estrutura externa original!
    A conservação e preservação começaram. O primeiro desafio foi perceber que não havia nenhuma estrutura em ferro que sustentasse o prédio. Então, precisava fazer colunas: ao todo são 16. Precisava cavar aos poucos, uma coluna de cada vez, assim como orientou a arquiteta e o engenheiro..., mas, infelizmente, o pedreiro não entendeu a proposta e cavou todas as colunas de uma vez. Infelizmente, o prédio desmoronou. O pedreiro ficou soterrado, mas sobreviveu, ele ficou somente com alguns arranhões (dei toda assistência necessária a ele, claro). Eu fiquei triste, meu coração, assim como o casarão, também desmoronou”.
(Vicente de Paula Fernandes)
    A história que constitui memória de nossa Pau dos Ferros é encantadora não só pela narrativa, mas pelo zelo, respeito e amor que Paulinho tem pela memória material da cidade. O Casarão de Elísio Maia era um ícone arquitetônico da cidade e, sem sombra de dúvidas, se hoje ainda estivesse ‘de pé’, seria símbolo identitário de uma década cultural pau-ferrense repleta de arquitetura, arquitetura como bem simbólico cultural, como defende Pierre Bourdieu, uma vez que as casas refletiam a identidade de seus moradores e constituíam a poesia ornamental das ruas.

Por Victor Mendes
Foto: Toinho Dutra

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