Dona Xanana Diógenes, minha professora querida, sempre me falava da casa onde nasceu e de muitas histórias que por lá se passaram.
Lendo "Massilon" de Honório Medeiros encontrei os seguintes dados:
Do final do século XVIII, e construída com areia trazida a pé, pelos escravos, do leito do rio Jaguaribe, a cem quilômetros de distância, a Casa Grande da Fazenda Trigueiro, postada próxima à margem da estrada entre São Miguel, Rio Grande do Norte, e Pereiro, Ceará, impressiona quem a vê desde a distância. "São trinta e oito compartimentos", diz-nos Zé Denis, filho mais velho de Dona Deocides, a viúva Castelã. "Todos imensos", penso eu, ao ser levado a cada um deles. "Imensos na largura e na altura".
Peço à cozinheira pra ficar próximo à janela da cozinha. Uma vez fotografada, dará uma noção de tamanho da janela - bem maior que ela, que deve ter um pouco mais que um metro e meio. Executando a cozinha, todos os outros compartimentos do térreo não tem janelas para fora e se comunicam com os vão centrais. Se houvesse um ataque - índios, antes, cangaceiros, depois - a única porta que permite o acesso ao interior da casa seria fechada, todos subiriam para o andar superior - no qual ficam as janelas - e a defesa estaria garantida. "A porta funciona como uma ponte levadiça de castelos medievais", eu digo, observando a chave imensa que a fecha, trazida da Suiça, na época da construção.
As Paredes têm quase um metro de largura. ocultam segredos ancestrais, como ossos humanos, restos mortais de pessoas emparedadas sabe-se lá quando nem por que, semelhantes aos encontrados certa vez, quando se tentou estabelecer uma comunicação entre dois compartimentos. "Naquela época", diz-nos Zé Denis, que já foi vereador em Pereiro, mais hoje se dedica a tomar conta da propriedade da mãe, "como não havia "campo santo" (cemitério), as pessoas mais importantes eram sepultadas assim, acho que seguindo o exemplo das igrejas". Cada detalhe chama a atenção: são biqueiras para escorrer a água da chuva, de cobre , reproduzir a boca de um tubarão, também vindas da Suíça; os arabescos da cumeeira da Casa que, nos cantos, lembram de "s" deitado, mas, na realidade, são uma letra grega; a "sapata" - base na qual se assenta todo o imóvel - , que na parte anterior, dando para uma área enorme, como se fosse uma praça de chão batido, em torno da qual todas as construções são postadas, deve ter quase dois metros de altura. É o sótão, um andar inteiro, onde os escravos aguardavam, noite a fora, o momento de sua morte, não por outro motivo denominado "quarto dos suplícios"...
Fotos Israel Vianney