Raimuncírio Ferreira Pontes nasceu em Pau dos Ferros, pode confiar e acreditar, para o desgosto dos incrédulos e para a loucura dos supersticiosos, no dia primeiro de abril de 1954, já chegou no plano terráqueo satirizando a vida dos humanos normais. Filho de Raimundo Ferreira Pontes e Cícera Aires. É o primogênito de oito filhos, vulgo o filho mais velho e "quanta moça não diria esse já foi meu rapaz"...?! Seu nome de batismo, ao que tudo indica (ou não), é a junção dos nomes do pai e da mãe, embora que popularmente ele seja conhecido e chamado de Raimundo Círio. Criou-se aqui em nossa cidade, caçando rolinha, tomando banho e pescando nas imediações do açude 25 de março. Estudou suas primeiras letras na Escola Estadual Tarcísio Maia, de onde hoje é professor, mas isso é assunto para daqui um pedaço, seu avô e seu tio foram pedreiros da construção dessa emblemática escola. O ginásio, o que chamamos hoje em dia de ensino fundamental II, foi feito no "Ginásio 4 de Setembro", fazendo exame de admissão e tudo o mais. Aí Raimundo foi simbora para Mossoró, concluir seus estudos, fez o ensino médio e o curso superior, compôs efusivamente e viveu, talvez, a parte mais fértil de sua carreira artística, era a efervescência da juventude, era o aflorar de sua verve. Raimundo teve dois filhos, um deles "in memorian" e já é avô, seu netinho se chama Miguel Círio, eita nome bonito da mulesta.
A MÚSICA, A POESIA, A SÁTIRA E A DÉCADA DE 70 EM PAU DOS FERROS
Raimundo é sobrinho do cantador de repente, Neo Ferreira, que cantou com Ercílio Pinheiro. Trouxe em si, a poesia popular borbulhando no juízo. Fez muitos causos, compôs muitas poesias dos acontecimentos de sua família, da sua casa, do seu cotidiano, mas não se contentava em ser apenas o repórter poético de cada acontecimento, colocava, doses irresistíveis de humor, e foi na poesia satírica que se destacou nos anos 70, construindo a principal característica de sua verve. Raimundo parece mesmo a figura do Aedo, do Rapsodo da Grécia, que entoava suas composições ao som da lira, ao som do velho e inseparável alaúde. Ao chegar de férias ou em qualquer feriado prolongado como na semana santa, ele juntava gente para ouvi-lo. Tudo isso na década de 70, os lugares mais frequentes de suas apresentações eram a praça da matriz, o pavilhão e a barragem, nos bares ao redor.
Composições como Peia de Fumo, Corno Velho, Os Asilados de Pau dos Ferros e Presepadas de Menino estão impregnadas em nosso imaginário popular, com a marca inconfundível de sua eloquência, cada interpretação é um grito popular, expressivo, representativo e memorável. Numa de suas composições mais conhecidas, "Os asilados de Pau dos Ferros", ele mostra a característica que lhe aproxima dos aedos gregos, primeiro fazia a recitação, um prólogo, depois deslanchava a composição nas liras do violão.
Sua eloquência, seu palavreado aguçado e sua espontaneidade são marcas registradas. Talvez ele seja uma das pessoas mais conhecidas em nossa cidade, por todo o seu quadro de múltiplas funcionalidades, mas, em todas elas, a vivacidade, a proatividade, a altivez, a vibração, o tipo entusiasmado, de longe a gente nota sua presença poética, coletiva e forte. Na sua voz, na sua expressão, está a voz de todos os tipos populares olvidados pelo tempo, está a poesia do simples, do pitoresco, do jocoso, está o humor pioneiro de nossa terra. Raimundo, com certeza bussoluta e bussoluta vem de bússola, foi quem primeiro, até que se prove o contrário, fez declamação em público em Pau dos Ferros, foi quem primeiro fez apresentações musicais autorais em nossa terra, eis um marco principal, uma bandeira da cultura de Pau dos Ferros. Na época da ditadura, ele andava com uma ordem da polícia militar no bolso, para não ser pego pela patrulha ao fazer suas serenatas.
Dentre as suas sátiras mais importantes, além das já citadas, estão: Pescada na praça, Cismei do bornó, Vou te matar de parabelo, O bolero da era nostálgica, O cistré de eglantina, O vira tripa e Divergência social. Todas faziam a alegria de sua geração, são registros e obras cabais de sua verve e nossa história.
A FAMOSA DUPLA COM LEO BATISTA
Raimundo conheceu Léo Batista ainda na década de 70, justamente nas suas apresentações populares nos lugares públicos, aí foi um amor irreversível. Duas personalidades distintas, dois tipos singulares que se encaixaram feito ostra em pé de ponte. Raimundo, o espontâneo, Léo o subjetivo, Raimundo o pitoresco, Léo o reflexivo, Raimundo o violão entoado, Léo a voz doce, Raimundo a lira, Léo a pena, e muitas e muitas outras características que fizeram dessa dupla, o maior baluarte musical da história de Pau dos Ferros. A dupla fez apresentações em festivais como em Mossoró, no FECAP, Festival da Canção Popular, em 1977, ficando em segundo lugar com "Assombrações Espaciais". Deixou um grande registro, o disco de vinil, feito em 1995, com dez composições, que é, com certeza, o maior símbolo, de nossa música. Sertão de Metal é um hino que grande maioria da população de nossa cidade conhece. Dá nome ao disco e está dentro do nosso juízo sempre, ao menos do meu. Léo e Círio são companheiros de estrada, de andanças, de arte e de fé.
O PROFESSOR
Raimundo Círio é um dos professores mais marcantes que um pauferrense pôde e/ou pode ter. Eu falo isso com propriedade, fui seu aluno, fomos vice-campeão do jerns de 2004. Foi meu técnico na seleção pauferrense de futsal também. Sua forma de dar aula prende a atenção de cada um. E de que Raimundo foi professor? De Educação Física. Se formou na FURRN, hoje UERN, em 1983. Em Pau dos Ferros foi professor somente em quatro escolas, na Escola Municipal Severino Bezerra, no Educandário Imaculada Conceição e nas estaduais, José Fernandes de Melo e Tarcísio Maia, onde atua até hoje. Quando fui seu atleta, em 2004, jogando pelo Educandário, nas quartas de final do Jerns, enfrentamos o José Fernandes de Melo, como ele era professor das duas, ambas foram comandadas por auxiliares e ele ficou na arquibancada, vencemos a partida de goleada. O grande Círio foi um dos pioneiros da educação física de nossa região. Suas equipes não havia somente atletas, havia alunos, ensinou mais do que fundamentos de cada esporte, mostrava a História, as regras e era um espetáculo um treino, uma aula sua. Esportes como Handebol e Basquete chegaram aqui por suas aulas, montou equipes de futsal e futebol imbatíveis. Ele foi o primeiro e único professor de educação física que conseguiu ser campeão estadual de futebol na história de Pau dos Ferros, aliás, foi bi-campeão, em 1993 e em 1995, em ambos os casos pela Escola Municipal Severino Bezerra. Imagine aí o trabalho de um professor com meninos carentes há quase 30 anos atrás, sem nenhum dos artifícios que temos hoje, ser bi-campeão estadual... Raimundo também foi campeão estadual de futsal em 2002, pela Liga Pauferrense de Futsal. Há centenas de fotos de times que ele treinou, mas escolhi o retrato abaixo como o mais representativo.
O RADIALISTA CRONISTA ESPORTIVO
Em 1987, por certo ele achava que fazia pouca coisa, aí foi comandar a equipe esportiva, o jornalismo esportivo da rádio cultura do oeste. Foi apresentador do programa "Show de Bola Padrão", de segunda à sexta, às 13h. Também foi o pioneiro em transmissões esportivas em Pau dos Ferros, emendando fio nos arames das cercas e transmitindo clássicos do Copão Cultura em toda a região, o Copão Cultura, por sua vez, também era organizado por ele. Foi sócio da Associação dos Cronistas Esportivos do RN, como mostra a foto abaixo.
Quem não lembra das tardes dominicais no Estádio 9 de Janeiro, das transmissões esportivas da Rádio Cultura? Raimundo exerceu as funções de apresentador, comentarista e repórter de pista. Aquele repórter da beira do campo. Trabalhou com várias equipes, com várias composições, com narradores como Buga da Silva, Aurivan Lacerda e por último, Eraldo Alves. Lembro da última composição do Jornalismo Esportivo da Cultura. Eraldo Alves como narrador, Assis Correia como comentarista e Raimundo Círio e Jota Oliveira como repórteres de pista. Eram tardes emblemáticas. Na foto abaixo, o mestre está ao lado de Jota Oliveira.
FIM SEM FIM
Quem escreve sobre Raimundo Círio é, acima de tudo, corajoso, poderá ser injusto com sua própria história, eis um personagem inesgotável de nossa cidade. Músico, poeta, compositor, declamador, professor, radialista, desportista... o risco de lacunas é muito alto, todavia, a intenção do registro de parte de sua infinita obra terráquea é o mais importante. Todo mundo em Pau dos Ferros conhece Raimundo Círio por alguma via, por uma de suas múltiplas facetas, ou por mais de uma, por todas. Raimundo é marco, na música, na poesia, no esporte, na educação e no jornalismo esportivo, de Pau dos Ferros, obrigado mestre, nossa cidade deve muito à sua existência coletiva e absurdamente versátil. Gratidão, mestre, por toda a ancestralidade oferecida.
Viva! Viva!
Por Manoel Cavalcante