Década de 90, emergia o fortalecimento dos movimentos sociais contra a política neoliberal instaurada no Brasil. Era um cenário de muitas lutas contra as “privatarias”, o desrespeito aos trabalhadores e as trabalhadoras do Brasil e falta de apoio as políticas de Reforma Agrária. Época marcada por lutas, entre latifundiários e agricultores, que resultaram em muitos massacres, vitimando muitos trabalhadores.
Nesse contexto, alguns universitários da província de Pau dos Ferros sentiram a necessidade de resgatar o movimento estudantil no Campus Avaçado “ Profa. Maria Elisa de Albuquerque Maia.” - CAMEAM/UERN. Dessa forma, movidos pela paixão em arte e cultura, passaram a utilizar a linguagem teatral para abordar e discutir temas sociais e políticos da época, através de oficinas realizadas na própria instituição. Dessas oficinas surgiu o grupo de teatro “Que Mexe” na perspectiva critico-social, com base na filosofia e orientações do “ Teatro do Oprimido” de Augusto Boal. O grupo adotava como estilo o teatro de rua, motivado pelas formações com o ator, diretor e teatrólogo Amir Haddad que defende uma forma mais popular de se fazer teatro.
A atuação do grupo dentro e fora da universidade era efetiva. Foram produzidas muitas apresentações, uma delas, “O julgamento da droga”, um texto informativo, crítico e com o tom humorístico que foi apresentada em várias cidades. O financiamento para a produção das peças vinha da generosidade dos professores do CAMEAM e de alguns amigos que faziam algumas doações, a respiração era com aparelhos... A princípio, os participantes do grupo eram: Conceiçao Bezerra, Joana Alves, Jassira Braz, Rosineide Nascimento, Jairo Campos, Sérgio Varela, Vera Lúcia, Joseane, Neilde, Cleidismara, Magna Carneiro, Luciano Pinheiro, Vandi Mendes, Luciana e Dorinha Souza. Em seguida, vieram somar aos talentos, Rosa Souza, Francisco Bezerra e o nosso saudoso e querido Israel Vianey que foi escritor, produtor e diretor de vários espetáculos.
O grupo passou a assumir um estilo voltado mais para o humor envolvendo temas e situações do cotidiano, produzindo três grandes espetáculos: “Humor em três Tempos”; “Que ironia papai” e “As filhas da mãe”. Esse último foi apresentado no Teatro Municipal “Dix-Huit Rosado Maia” na cidade de Mossoró. Várias cidades do RN também receberam os espetáculos. como Alexandria, Agua Nova, Marcelino Vieira etc. Aqui na cidade, o BNB e a AABB foram palco para as peças, assim como as dependências do próprio Campus Universitário.
Os textos foram escritos por nosso Israel Vianey, eram carregados de humor e de muita classe, pois ele tinha a habilidade de escrever com irreverência, ironia, mas com muita sutileza na forma de fazer graça. Isso é o que podemos chamar de humor inteligente. Muitas de suas frases expressas nas falas das personagens permanecem em nossas mentes, e ás vezes, nos pegamos dizendo: “Se eu fosse escrever um livro, a minha vida dava uma trilogia...”; ou, “...sua pele vai ficar uma seda, com esse tratamento (de beleza) a gente nem morre, meu bem!”; e ainda, “...dívidas, dívidas, você só pensa em dívidas, mamãe!” Eita Vianey que faz falta...
O grupo tentou resistir a falta de apoio e incentivo à arte e à cultura por parte das políticas públicas, mas não conseguiu. Logo, todos tiveram que investir na vida pessoal e profissional e com muito trabalho, foi ficando, cada vez, mais difícil reunir o grupo para produzir e ensaiar os espetáculos.
Hoje, são guardados na memória e recordados com muita saudade os domingos, as noites e madrugadas que o grupo passou junto, trabalhando nas produções dos espetáculos, ensaiando, brincando e, algumas vezes, até se desentendendo, gente é bicho complicado né não?! Mas, no fim, isso faz parte do convívio sadio, criativo e produtivo.
O -Que Mexe- teve que se mexer por não conseguir sobreviver da arte, hoje existe até reitor de universidade que é ex integrante do grupo, assim como artistas que conseguiram maior expressividade fora de nossa região com participações até em novelas globais. É notável contribuição desses visionários em prol da arte e cultura, para que ambas possam sobrevier ao tempo e a tudo que as oprime. Salve, salve o Teatro de Pau dos Ferros, mesmo sabendo que as cortinas se fecharam e que a ribalta está apagada...
Por Maria das Dores Alves - Dorinha.