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sábado, 16 de janeiro de 2016

MATUTO DO PÉ RACHADO



João Alves de Souza, vulgo não, porque ele não era vulgar, conhecido e bastante conhecido como João Pereira, nasceu no dia 11 de abril de 1926, no Sítio Raiz, zona rural de Pau dos Ferros. Era filho do casal Antônio Pereira da Silva e Raimunda Nonata de Souza sendo o nono filho entre 10 irmãos. Casou-se com Maria Severiano do Rêgo no dia 16 de dezembro de 1951, na Igreja Matriz de Nossa Senha da Conceição, em cerimônia celebrada pelo ainda vigário Manoel Caminha Freire. Dessa união, nasceram 5 filhos, 3 homens e 2 mulheres. Trabalhou na roça, foi pedreiro, estudou por poucos dias, mas foi o suficiente para ser alfabetizado. 

Foi um dos fundadores do sindicato dos trabalhadores rurais de Pau dos Ferros, entidade da qual também foi presidente. Ingressou na vida política e obteve grande êxito. Foi um dos fundadores, em Pau dos Ferros, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), hoje o PMDB e atuou por 4 mandatos como vereador de nossa cidade (66 a 72 , 72 a 76 , 88 a 92 , 92 a 96) tendo a oportunidade de atuar como presidente da câmara. Na foto abaixo, ele está assinando sua posse em 1992.



E seu João Pereira é enfim... POETA! É. Porque um poeta não morre. Um poeta nato, puro, de inspiração rara e simples. O famoso autor do poema "matuto do pé rachado". Essa era a alcunha preferida dele, a de Poeta, a de matuto. Em toda história política de nossa cidade, talvez tenha sido o único candidato a fazer discurso rimado no palanque, assim como fazia o genial Ronaldo Cunha Lima no Estado da Paraíba. Seu João ainda foi cantador de viola, cantou muito com Mundico de Zé Alves, mas deixou a viola por não saber tocá-la e por não possuir uma voz privilegiada.

A poesia que dá nome a essa postagem, é o seu emblema, conhecida em todos os recantos de nosso lugar... Sua origem veio de uma crítica que um candidato de sua época, fez a uns eleitores que disseram quando esse foi pedir o voto naquela residência: "Aqui em casa, todo mundo vota em seu João Pereira!" O candidato se achando o tal por ser "formado" disse: "Quer dizer que vocês vão votar num matuto do pé rachado?!" Foi o que seu João Pereira quis para escrever a obra que contava sua história, um poema em texto único com mais de 100 rimas no "ado" sem repetir nenhuma palavra. 

No belíssimo poema, revela as dificuldades que a vida lhe impôs:

"...Nasci em uma tapera
feita de barro amassado
num jirau feito de varas
com palha seca forrado
minha mãe uma doméstica
daqule tempo passado
que além de cuidar de casa
trabalhava no roçado
meu pai era um camponês
que trabalhava alugado..."

"Trabalhando com meu pai
foi assim que fui criado
limpando terra e plantando
fazendo todo o traçado..."

"...Quando eu tinha oito anos
o meu pai foi sepultado
eu fiquei órfão de pai
fiquei desorientado
minha mãe ficou viúva
com cinco filhos de um lado
fui arrimo de família
mas dei conta do recado..."

Fala sobre suas profissões:

"Bom no cabo da enxada
Bom na foice e no machado
Fui amansador de burro
corria e pegava gado
trabalhava de pedreiro
fui um pedreiro aprovado..."

"... Nasci com dom de poeta
cantei verso improvisado
porém deixei de cantar
por ser meio desafinao..."

"...Ingressei na vida pública
Pelo povo convocado
vereador quatro vezes
e todas fui bem votado
nunca perdi eleição
nunca ganhei apertado
se não fiquei em primeiro
sempre ficava encostado..."

Alguns gracejos como:

"...Nem sou rico nem sou pobre
vivo nesse misturado
mas na minha adolescência
eu fui um pobre lascado
meu transporte era um jumento
em que eu andava montado
depois uma bicicleta
que tinha um guidom quebrado
mas andava satisfeito
nunca fui desanimado..."

"... Gosto de mulher bonita
mas isso não é pecado..."

E fala da gênese do poema:

"...Quem mais criticou de mim
foi um bacharel formado
eu ganhei a eleição
e ele foi derrotado"

Pereira era um grande apologista de cantoria, conhecido no meio e irmão do grande Pereirinha, grande promovente de cantoria de nossa cidade. 

Também versou sobre a morte no alto dos seus 85 anos quando disse:

"Eu nunca gostei da morte
que a morte é um cabra ruim
levou papai muito cedo
pegou mamãe deu um fim
já carregou minha esposa
e anda feito uma raposa
farejando atrás de mim..."

De outra feita, estava uma turma comendo um pirão de peixe na beira de um açude e Juvenal Pereira, sobrinho de seu João, pediu que o poeta fizesse uma estrofe sobre o mote:

QUEM NÃO COME UM PIRÃO NUM BEIÇO DÁGUA
NÃO CONHECE O QUE É VIDA SERTANEJA

E o "matuto do pé-rachado" atendeu o pedido:

Não pretendo ser chefe de autarquia
Nem também ser gerente do Bradesco
Eu pretendo é comer um peixe fresco
Bem no beiço da água quando é fria
Bota o caldo e a farinha na vazia
E o peixe cozido na bandeja
Com cachaça eu não quero ver cerveja
Só assim eu afogo a minha mágoa
QUEM NÃO COME UM PIRÃO NUM BEIÇO DÁGUA
NÃO CONHECE O QUE É VIDA SERTANEJA.

O encantamento do poeta matuto deu-se no dia 12 de dezembro de 2015, aqui mesmo em nossa cidade, onde também foi sepultado. Deixou uma grande lição vida e de superação.

Viva nosso poeta!

"...Amo a Deus e o trabalho
e o resto é papo furado
uns me xingam outros me amam
e adoro quando me chamam
MATUTO DO PÉ RACHADO"

João Pereira, como presidente da câmara, dando posse ao prefeito eleito Aliatá Chaves, nosso Baiba, em 1992.


Por Manoel Cavalcante






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