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quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

PAU DOS FERROS DO MEU TEMPO!

Por Licurgo Nunes Quarto

Revendo a minha Pau dos Ferros, nesses dias, bateu um sentimento saudosista ao ver uma cidade transformada, modernizada, com um comércio muito bom, com lojas as mais variadas e com layout bem projetados; com excelentes restaurantes, pizzarias, sushis, drinks-bar, lojas de conveniência, áreas públicas de lazer, edifícios, condomínios residenciais fechados, ruas asfaltadas, bons hotéis, etc.
Pau dos Ferros onde eu vivi era a Pau dos Ferros da Praça da Matriz, onde nasci e morei até aos 12 anos. Rua de chão batido, sem qualquer pavimentação, onde a criançada se divertia, em dia de chuva, fazendo açudes e barragens. Era essa a Pau dos Ferros que deixei quando fui estudar, em regime de internato, no Colégio Diocesano Santa Luzia de Mossoró, uma vez que, à época, a nossa Cidade não oferecia, ainda, o curso ginasial, e, no ano seguinte, 1962, vim morar em Natal, acompanhando os meus pais que passaram a residir nessa Cidade.
Pau dos Ferros que eu vivenciei era a Pau dos Ferros das bodegas de José Lopes, Danaciano Cavalcante, Cícero Almino. Das lojas de tecido de Elpídio Chaves e Afonso Silva; da sapataria de Antonio Alexandre; dos restaurantes de Bafute e de Cosma de João Borges; dos armazéns de Walter Correia ( único a vender, na época de São João, os famosos fogos caramuru), e de Luiz Gonzaga que comercializava alguns produtos mais refinados, como azeitonas, passas e biscoitos sortidos adquiridos na Cidade paraibana de Campina Grande.
Pau dos Ferros que eu habitei era a Pau dos Ferros das pensões de José Simão, João Borges e Alexandre Aquino;
Era a Pau dos Ferros de Formiga Preta, Faísca, Chico chauffeur, (que mesmo sóbrio parecia ébrio), Anatilde ("pei pou, mulher do Judas, mulher do Padre"), Zé Alinhado (fazendo medo à meninada, declamando rimas “sem nexos nem plexos”, e cantando: "em tuuudo, na prôa, Dr. Licurgo é gente boa"), Chico Doido (no seu incansável balançar – agitar – de braços, estalando os dedos indicadores aos polegares), Bafute, Alberto Torreão, Regina Jerônimo, Lilia, Santa, Diazete, Mainha, Alda, Odete e Noburga. Cora, Pipiu Diógenes, José Guedes do Rego, Cazuzinha de Tia Mina, João Escolástico Bezerra, Chico Rego, Rozendo de Chico de Antístenes, Antenor do Sax, Manoel Tele, Manoel Rosa, Pedro Garrote, Zé do Calhambeque.
Pau dos Ferros de casa cheia em dia de eleição, com Dona Cristina - a minha mãe - alimentando centenas de eleitores, e tendo que subir à carroceria de um caminhão para mostrar a alguma correligionária como era fácil chegar àquele objetivo, dada à resistência de uma ou outra em voltar para o sítio naquele meio de transporte;
Pau dos Ferros de antigamente era a Pau dos Ferros do zoológico da casa do Padre Caminha que, quando ainda não se falava nem se apregoava o respeito à ecologia, bem como o bom trato aos animais, o referido Vigário, pioneiramente, já o fazia, amparando animais e pássaros, domésticos ou silvestres, mutilados ou abandonados, passava a criá-los em seu quintal, quando chegou a formar um mini-zoológico – atração da meninada da Cidade.
A Pau dos Ferros da tradicional "bateria de fogos de artifícios" do dia 08 de dezembro - dia da Excelsa Padroeira Nossa Senhora da Conceição - com Olavo Diógenes e mais alguns outros que, a título de pagar promessa à bendita Santa, acompanhavam o desenvolver - o espocar - da citada bateria, lado a lado, bem de perto e correndo o risco de sofrerem acidentes por queimaduras. Era um espetáculo com um misto de pirotecnia, poluição ambiental produzida pela fumaça resultante da queima dos explosivos, e poluição sonora, pois as bombas que equipavam referida bateria emitiam sons em grandes decibéis.
Pau dos Ferros do Padre Caminha ligando o serviço de som da Igreja - “A Voz do Campanário” - (que consistia de duas “bocas” de som - alto falantes - bem potentes, postados no topo da torre da Igreja Matriz), a qualquer hora do dia ou da noite, madrugada que fosse, para anunciar, à cidade e ao seu povo, a morte de algum concidadão, quando, invariavelmente colocava para tocar a “Marcha Fúnebre” de Chopin – a mais fúnebre de todas as músicas fúnebres existentes. Era um momento lúgubre que ficou guardado na memória de todos os pauferrenses que conviveram àquela época. E isto sem se falar no pavor e na apreensão (expectativa para se saber quem havia morrido) que se instalavam, em todos, quando começavam a ouvir os primeiros acordes da referida música.
Pau dos Ferros dos primeiros “Jepps Willys de Praça” – o que hoje se convencionou chamar de “taxi” - de Daniel, Luizão, Pedro Damião;
Pau dos Ferros do Clube Centenário CCP – com seus famosos bailes e onde, em todas as festas - e era quase sempre sistemático - a orquestra ter que parar de tocar as músicas do repertório previamente elaborado e ensaiado para executar um xote (dança de salão, de origem alemã com passos semelhantes aos da polca, difundida na Europa e no Brasil, onde é executada nos bailes ao som de sanfona) para que Antonio Holanda dançasse a referida música, com todos os seus passos, evoluções e coreografias, e que geralmente tinha como cavalheira a sua nora Zuleide Lopes de Holanda que, com ele, davam um verdadeiro show de dança.
Pau dos Ferros do Grupo Escolar Joaquim Correia, famoso e tradicional, de secular existência, e por onde passaram varias gerações de conterrâneos que se destacam no cenário nacional, e onde pontuaram as Professoras Alzira Diógenes (minha avó), Nila Rego, Juliana, Nair Sales, Maria Ayres, Maria do Carmo e tantas outras;
Pau dos Ferros do “misto” de Tôzinho, fazendo a “linha” diária para Mossoró e vice-versa, numa BR 405 ainda pavimentada com barro, e que, para transpor um percurso de pouco menos de 180 km, demorava-se mais de seis horas; e do ônibus de Adácio Amorim transportando os conterrâneos a Natal;
Pau dos Ferros dos Doutores José Fernandes de Melo e Cleodon Carlos de Andrade, onde ambos, pioneiramente, numa mistura de ciência, arte, dedicação e sacerdócio, faziam uma medicina básica, exercendo a nobre missão de curar os conterrâneos enfermos; do Dr. Pedro Diógenes Fernandes, primeiro filho da terra com diploma de nível superior em Odontologia, e do Enfermeiro Caetano que, na falta de um hospital ou mesmo um centro de saúde, fazia, em seu pequeno e espartano ambulatório, um atendimento emergencial preliminar.
Pau dos Ferros do Capitão Epitácio Maciel, Oficial comandante local da policia militar, que, de tão manso e ordeiro, era querido por todos, além de produtor de leite em uma vacaria que mantinha no quintal de sua casa.
Pau dos Ferros do “Cine São João”, de propriedade do empresário/construtor José Florêncio, onde a sessão cinematográfica só se iniciava quando chegassem, para assisti-la, alguns freqüentadores contumazes, como Paulo Marcelino,Manoel Tele e outros;
Pau dos Ferros do Fotógrafo Fausto Fernandes que, mesmo sem os recursos hodiernos do photoshop, mas com um Studio fotográfico bem aparelhado e moderno - para a época - tornava as pessoas e as imagens com melhores aparências, e que foi responsável por deixar preservado, para a posteridade, imagens de acontecimentos históricos e sociais importantes;
Pau dos Ferros do “açude 25 de março”, que, sozinho, dava conta da tarefa de suprir a cidade de uma água de excelente qualidade, bem como tornava férteis as terras - tanto a montante como à jusante de sua parede – com condições de produzir hortaliças e frutas, e que se prestava como área de lazer da população, principalmente quando estava sangrando, uma vez que a população toda acorria para presenciar o espetáculo. As carroças, de tração animal e equipadas com pipas ou tambores, bem como os jumentos com as suas ancoretas encarregavam-se de abastecer as casas com a água colhida no citado açude. E o Rubens, morador da Fazenda Melancia, do meu avô Lafayete Diógenes Maia, era o responsável pelo abastecimento das casas da nossa família.
Pau dos Ferros das farmácias pioneiras (ainda escritas ainda com um PH) de Zequinha e Manoel Deodato. Ambos os estabelecimentos serviam, também, como pontos de encontros das pessoas influentes da cidade, onde se discutiam fatos e acontecimentos político-sociais da cidade, da região, do Estado e do mundo.
Pau dos Ferros do posto de gasolina de Antonio Izídio, com as bombas movidas a manivelas, e cujo produto, adquirido em Fortaleza, era transportado, por caminhão e acondicionado em tambores cilíndricos de mil litros.
Pau dos Ferros do “Pavilhão da Praça da Matriz”, que proporcionou tantos encontros – e desencontros – de casais enamorados, e por onde as moçoilas sonhadoras desfilavam à procura do seu príncipe encantado;
Pau dos Ferros de Maria das Graças Queiroz, a moça mais bonita e rica da cidade, dirigindo, ainda adolescente, o seu Jeep Willys, novinho, dado por seu pai o Construtor José Florêncio de Queiroz, quando do seu aniversário de quinze anos, e se tornando a primeira mulher a conduzir um automóvel na cidade, causando, consequentemente, grande admiração e espanto.
Pau dos Ferros do Obelisco, monumento comemorativo do centenário do Município e do bicentenário da Paróquia;
Pau dos Ferros do primeiro campo de aviação – aeroporto - da região do alto oeste que, quando o pousar de um avião, mesmo que de pequeno porte – como eram todos que ali aterrissavam - causava grande alvoroço na cidade, e para aonde acorriam todos para apreciar a aeronave;
Pau dos Ferros iluminada por um motor/gerador movido a óleo diesel que, com hora marcada para apagar, avisava aos habitantes – por meio de rápidos cortes de energia, a que se convencionava chamar de sinal – de que estava chegando a hora do blecaute. Dez minutos após o terceiro sinal era desligado o citado gerador, e a cidade passava a ficar no escuro.
Pau dos Ferros dos pirulitos feitos por Cosma de João Borges;
Pau dos Ferros das padarias de Pedro Garrote, Tinô e Dedeca que fabricavam um “pão d’água” e um pão doce de sabores inigualáveis;
Pau dos Ferros de tantos outros pontos, fatos pitorescos e figuras folclóricas; algumas prosaicas, mas todas figuras humanas e gente de bem que habitam a minha mente, com lembranças de uma cidade que, à época, ainda pequena, era sinônimo de irmandade, de família, de fraternidade, de honestidade; sem violência.
Não foi essa a Pau dos Ferros que eu revi. Revi, sim, uma Cidade moderna, desenvolvida, e que enche os olhos de quem a visita.

3 comentários:

  1. Encantada com tantas lembranças, sensibilidade, reconhecimento e alegria desse ilustre filho da terra ao rever a atual Pau Ferros. Excelente restrospectiva e por demais significante. Aplausos ao senhor Licurgo Nunes Quarto.

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  2. Parabéns! gostei muita postagem. É bom saber coisas importantes do passado da minha cidade querida.

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  3. Parabéns pela belo texto. É muito bom saber de coisas importantes do passado do minha cidade querida.

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